Filmes

Crítica

365 Dias: Hoje é um sintoma da cultura da pornografia

Filme chegou ao catálogo da Netflix na última quarta-feira (28)

28.04.2022, às 09H00.
Atualizada em 28.04.2022, ÀS 09H55

Parece que as polêmicas por trás de 365 Dias, lançado em 2020 na Netflix, não foram convincentes o suficiente. Numa indústria em que números e engajamento valem independentemente se positivos e negativos, filmes como o de Tomasz Mandes e Barbara Białowas ganham cada vez mais força e visibilidade justamente por gerarem discussão. Como esperado, foi lançada na última quarta-feira (27) a sequência 365 Dias: Hoje, que segue a história do casal formado por Laura (Anna Maria Sieklucka) e Massimo (Michele Morrone).

Não é necessário ser um expert em técnicas cinematográficas para notar que Mandes e Bialowas entendem de enquadramento e luz. 365 Dias: Hoje é, visualmente, uma produção bonita — dado também aos belos locais em que as cenas são gravadas e o trabalho da equipe de cabelo, maquiagem e figurino. O filme polonês cumpre bem a tarefa de prender o espectador em seu início com paisagens bonitas, quase como um comercial turístico ou um clipe de música eletrônica dos anos 2000.

Quanto a outros aspectos, 365 Dias: Hoje permanece cruel, problemático e até mesmo covarde. Não é necessário saber muito do background do casal principal para assistir ao novo longa, visto que o roteiro não possui a menor preocupação de elaborar um gancho com o capítulo anterior. Contudo, há uma falha (e sem pé nem cabeça) tentativa de dar à personagem Laura um empoderamento por sua história e posição que ocupa agora: a de esposa de Massimo.

Durante o primeiro ato, é nítido como toda a realidade pós-casamento fez com que as expectativas da personagem enquanto noiva fossem por água abaixo. Pronta para viver uma vida luxuosa e sem grandes preocupações, a protagonista quer aproveitar a nata de sua nova realidade: compras, passeios com a amiga e, é claro, muito sexo com o marido — o que explica as seis cenas eróticas nos primeiros 25 minutos de filme.

No entanto, não demora muito para que a ficha caia de fato: Massimo começa a impor limites, alterar a voz e até mesmo controlar a rotina da esposa na forma de espécies de "presentes", que vão desde “entregar sua liberdade fazendo o que gosta”, que é fazê-la cuidar de uma marca de roupas, a comprar uma viagem para ela fazer com a melhor amiga. O abuso (que não é novidade para ninguém que assistiu ao primeiro longa) dessa vez vem disfarçado de regalias e episódios pontuais.

A revolta de Laura diante dessas ocasiões é totalmente válida e está presente no material original, escrito pela autora Blanka Lipinska, também polonesa, no livro Este Dia. O problema que fica é justamente o quão mal essa postura da personagem foi levada para o roteiro e, sobretudo, para as câmeras.

O resultado é confuso e totalmente perdido. Em uma ordem de acontecimentos preguiçosa, com uma montagem bastante mal-feita, blecautes bregas, closes em plano-detalhe desnecessários e canções sem sentido a cada 30 segundos, 365 Dias: Hoje consegue ser, mais uma vez, um amontoado de problemáticas.

Não é equivocado dizer que o segundo capítulo da franquia é um produto da cultura da pornografia. Isso porque, em todas as cenas de sexo (sem exceção), Laura é um objeto cujo único intuito em frente às câmeras é saciar às vontades masculinas. Seja pelos ângulos adotados nas cenas, figurino da atriz e enquadramentos utilizados, o que podemos ver é um longa-metragem disposto a atender fantasias fora de sites pornográficos.

Não se trata somente do corpo de Laura ser o único despido nos momentos eróticos, apesar disso já ser um motivo e tanto. A construção das cenas de sexo (que por sinal, levam muito mais cuidado e dedicação para serem feitas do que qualquer outro diálogo do longa) é trabalhada única e inteiramente a partir da mente masculina, o que torna a presença de Barbara Bialowas um tanto questionável ou até mesmo um sintoma dessa cultura. Em câmeras bastante lentas e ângulos vantajosos, o corpo de Laura é completamente exposto para a figurar todo tipo de estereótipo carnal criado em produções do pornô: o plano-detalhe nos seios da personagem, o close-up em suas expressões faciais durante os gemidos e, é claro, todos os ângulos possíveis de posições sexuais em que ninguém além do homem está sob o controle da sua parceira.

Há uma certa tentativa da fotografia em romantizar esses momentos, em cenas mais escuras e com luzes de cores quentes. Mas até mesmo em ocasiões em que Laura não está transando com Massimo, o resultado final é um sexo ensaiado e criado pela indústria pornográfica, que desumaniza não só a mulher, como também desnaturaliza o prazer feminino.

E já que falamos nisso, é importante citar como esse prazer não é levantado em nenhum momento, visto que Laura procura a masturbação apenas para provocar seu marido. O uso de brinquedos sexuais aqui, diferentemente do capítulo anterior, que deixava implícito ser um descarrego das tensões da personagem, é pensado e utilizado unicamente para atender a desejos do homem.

365 Dias: Hoje consegue ser muito mais explícito do que o longa anterior, cujo propósito parecia ser apenas um filme sobre sexo e dinheiro com uma leve pitada de suspense. Existe uma falha tentativa de reciclar o enredo do triângulo amoroso e amor proibido, que cai totalmente por terra dado o amadorismo do roteiro e a execução do mesmo. Tão desnecessário quanto o anterior, o longa está disponível na Netflix.

Nota do Crítico
Ruim