Fundação/Apple TV+/Reprodução

Séries e TV

Crítica

Fundação almeja qualidade e se torna mais complexa na segunda temporada

Série da AppleTV+ expande fronteiras, conflitos e filosofias a partir da difícil trilogia de Asimov

19.09.2023, às 14H25.

O Apple TV+ tem hoje um dos melhores catálogos de títulos originais no streaming. Tem comédias como Ted Lasso, Mal de Família e Shrinking. Tem suspense como Sequestro no Ar e Entre Estranhos. Tem drama como The Morning Show e Ruptura. E tem muita ficção-científica, como For All Mankind, Silo, See e Fundação (Foundation, 2021), cuja segunda temporada se encerra reivindicando para si esse selo de prestígio. Em Fundação, tudo gira em torno de uma almejada qualidade.

O design de produção, incluindo aí os cenários, figurinos e locações, imprimem na tela muito mais do que seu "modesto" orçamento — US$ 45 milhões na primeira temporada e um pouco mais do que isso na segunda, cerca de 25% do que custou A Casa do Dragão. Cada planeta, cada nave, cada povo tem um visual diferente e, muitas vezes, deslumbrante. Numa comparação desleal, seria o que Jornada nas Estrelas tentava fazer na década de 1960, mas sem dinheiro ou a tecnologia que temos hoje para materializar visualmente o estranho e o desconhecido.

Ah, mas com uma diferença vital: Fundação não tem o "planeta da semana" dos procedurais (em que cada episódio conta uma mini-história autocentrada); sua narrativa é de uma história contínua. As coisas vão aparecendo na tela quase sem aviso, o que obriga o espectador a ficar o tempo todo fazendo uma busca mental de qual das tramas paralelas está sendo contada em cada cena. Isso pode ser cansativo, assim como os diálogos longos e lentos, mas não gratuitos, pois situam o público no que está acontecendo.

O que é a Fundação?

A estrutura de caleidoscópio, em que as coisas se sucedem de forma quase incidental, tenta emular a estrutura da trilogia escrita por Isaac Asimov. Não era uma adaptação fácil de realizar, uma vez que nos livros de Fundação o determinismo da disputa milenar entre o Império e a Fundação — cuja resolução conhecemos por conta de uma previsão matemática do futuro — basicamente torna desnecessária uma narrativa movida por suspense, eventos pontuais ou reviravoltas. Ou seja, não há muito livre-arbítrio ou mesmo protagonismo possível em Fundação, mas ainda assim os personagens tentam, como nas figuras dos clones do Imperador Cleon que vão se sucedendo no trono, sempre de três em três, com o mais novo chamado Alvorada (Cassian Bilton), o maduro, Dia (Lee Pace - sempre no limite do personagem!), e o conselheiro, Crepúsculo (Terrence Mann).

O produtor-executivo David Goyer (das trilogias Blade e Batman, de Christopher Nolan) preserva a essência da história, a partir do ponto de vista do matemático Hari Seldon (Jared Harris), e com ela cria seu próprio universo. Goyer respeita alguns conceitos e modifica outros, mas principalmente tenta dar mais profundidade aos personagens. É um esforço que pode parecer contraintuitivo se considerarmos o espírito dos livros e sua vocação enciclopédica, impessoal, que não leva tanto em consideração o poder de agência dos personagens. Ainda assim, Goyer trabalha dentro de expectativas narrativas consagradas da ficção na televisão; nesse sentido, é uma adaptação de universos parecida com o que Damon Lindelof fez com Watchmen, série da HBO.

Se os planos de Goyer derem certo, ele espera contar tudo em até oito temporadas. Na sua visão, Hari Seldon e os clones de Cleon aparecem como dois lados da mesma moeda. Principalmente nesta segunda temporada, fica muito claro que há momentos de vilania em cada um deles, o que dá uma carga dramática muito boa para a trama. Enquanto o primeiro ano serviu para distribuir as peças no tabuleiro e as regras básicas do jogo, sua sequência chega para mostrar que a partida é bem mais complexa, e seus movimentos quadridimensionais. Novos personagens incluem mais jogadas e até mais humor, como os clérigos Poly Verisof (Kulvinder Ghir) e Irmão Constant (Isabella Laughland) e Hober Mallow (Dimitri Leonidas).

É este último que, em uma cena, diz: "A vida é como juntar joias numa bolsa. No final, você não quer que a bolsa esteja cheia. Você a quer vazia porque significa que distribuiu". Bom, estou aqui fazendo minha parte e tentando compartilhar com você esta joia que é Fundação. Mesmo não sendo uma pedra perfeita, é linda e muito preciosa.

Nota do Crítico
Ótimo