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Séries e TV

Crítica

Universo John Wick encontra sua expansão natural com O Continental

Trama básica não tira brilho do balé porradeiro e dos personagens bizarros da série

Nico
09.10.2023, às 16H17.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H45

Apesar do trabalho detalhista colocado em cada cena de ação, John Wick nunca foi uma franquia de tramas complexas. Muito pelo contrário: a história do ex-assassino de aluguel de Keanu Reeves começou como uma narrativa simples de vingança. Primeiro derivado desse universo, O Continental segue a mesma linha. Uma retaliação sofrida por Cormac (Mel Gibson), então gerente do hotel titular, serve como pontapé inicial para a jornada de Winston (Colin Woodell) à chefia do submundo criminoso.

Assim como nos filmes, O Continental apresenta uma série de personagens estranhos e cheios de particularidades. Mais do que usar a bizarrice desses novos assassinos apenas para colorir seu cenário, a produção tenta incluir suas personalidades — por mais rasas que sejam — em cada passo das coreografias. Cativantes mesmo sem nome, essas figuras reforçam a criatividade desse mundo violento e engajam o espectador apesar de seus arcos narrativos praticamente inexistentes.

Os protagonistas, por outro lado, têm seus passados um pouco mais explorados. O grupo formado pelos aliados de Winston tem seus próprios traumas e convicções, que inevitavelmente se conectam a Cormac e ao que acontece no Continental. Ainda que o futuro gerente do hotel seja o personagem principal de fato de O Continental, a atenção dada a seus aliados dá razão à sua cruzada sangrenta e justifica a parceria de suas figuras antagônicas.

Em uma produção de personagens exagerados e cartunescos, Mel Gibson é o nome do elenco principal que melhor canaliza toda a excentricidade da série em sua atuação. Exagerado, Cormac lembra os vilões das eras mais lúdicas de 007, cujos antagonistas eram motivados mais por ego e ambição do que de fato por um objetivo maior. Apoiado na infâmia que o ator desenvolveu nas últimas duas décadas, O Continental explora a toxicidade hoje inseparável do veterano, tornando-o odiável desde seus primeiros segundos em tela. Assim como seu intérprete, Cormac é como uma tragédia fatal que prende o olhar e cada surto, berro e manipulação cometida por ele é tão verossímil quanto assustadora.

Como acontece nos filmes, O Continental atinge seu ápice criativo nas cenas de ação. Tanto tiroteios quanto lutas mano a mano são filmadas para que todo golpe e tiro seja sentido. Os combates que envolvem lutas marciais tradicionais, especialmente aqueles protagonizados por Lou (Jessica Allain) e Yen (Nhung Kate), são ágeis e brutais. O segundo episódio merece destaque neste sentido: dirigido por Charlotte Brändström, “Loyalty to the Master” guarda todas as balas para seu terceiro ato enquanto a cineasta filma algumas das lutas mais divertidas da franquia.

Por outro lado, O Continental não evita redundâncias que quebram seu ritmo, estruturando sua temporada como três “filmes” de 90 minutos. O segundo episódio, em especial, é excessivamente repetitivo em relação ao primeiro e nem mesmo suas ótimas batalhas inspiradas na era do blaxploitation e em filmes clássicos de artes marciais salvam seu marasmo. Ainda que John Wick seja caracterizado por excessos pontuais, a minissérie perde a mão ao voltar várias vezes a uma mesma discussão sem nunca resolvê-la de fato.

Mesmo que explore mais a fundo o passado de algumas das pessoas mais chegadas a John Wick, O Continental nunca tenta decifrar os mistérios da franquia. Aliás, a minissérie introduz ainda mais perguntas, especialmente no que diz respeito à relação de Winston com a Alta Cúpula e com o restante do submundo criminoso. Aproveitando-se do lore rico, mas vago de John Wick, a produção deixa um final aberto, abrindo espaços a serem preenchidos em uma eventual segunda temporada ou novos derivados que se passem antes do filme de 2013.

Com uma estrutura e voz próprias, O Continental mostra que o universo John Wick é cativante o bastante para se manter mesmo que Reeves, Chad Stahelski ou Derek Kolstad não retornem a ele. Primeira prévia da expansão planejada pela Lionsgate, a minissérie foge do óbvio para dar à franquia um prólogo tão natural quanto surpreendente.

Nota do Crítico
Ótimo