Em O Babadook, de 2014, uma mulher (Essie Davis) começa a ver um monstro saído de um livro infantil dentro de casa conforme têm que lidar com o peso de cuidar do filho após a morte inesperada do marido. Em Tuesday - O Último Abraço, de 2023, Julia Louis-Dreyfus vive a mãe solteira de uma adolescente com câncer terminal, que chega em casa um dia e encontra a filha conversando com um pássaro gigante que é a representação física da morte. São dois excelentes filmes, entre os melhores desse subgênero curioso de história que discute luto a partir de monstrengos de CGI (vide Sete Minutos Depois da Meia-Noite e Caçadora de Gigantes).
The Thing with Feathers se localiza no meio do caminho entre essas duas premissas - e esse é meio que seu calcanhar de Aquiles, porque o que o diretor e roteirista Dylan Southern está tentando fazer aqui já foi feito com primazia por cineastas (no caso, Jennifer Kent e Daina Oniunas-Pusic) que se mostraram imensamente mais eloquentes do que ele com a forma da ficção. A intenção de Southern, é claro, é das melhores, especialmente levando em conta que ele adapta aqui o livro considerado “infilmável” de Max Porter, uma história meio prosa, meio poesia e meio graphic novel sobre um recém-viúvo tendo que ajustar o seu relacionamento com os filhos após o falecimento inesperado da esposa.
Há algo de vívido na forma como Porter aborda essa história, e Southern se esforça para capturar essa vivacidade em tela. Lá no terceiro ato, a mágica até funciona - talvez porque a natureza climática dos eventos da trama permitam que o cineasta se solte um pouco mais nas referências e obsessões que claramente definem o seu estilo como artista. A proporção de tela acadêmica, que faz os enquadramentos do diretor de fotografia Ben Fordesman (Saint Maud) se aproximarem dos quadrinhos, a brincadeira com o contraste entre os pretos e os brancos nas sequências mais delirantes, a construção da criatura de CGI da vez como um personagem de gibi de terror grotesco… tudo aponta para um filme muito mais iconográfico do que aquele que realmente vemos em tela.
O que vemos, na maior parte do tempo, é um drama doméstico de inclinações visuais bem tradicionais, uma aposta antiquada em sustos falsos executados de forma indiferente, uma parcimônia injustificável quando se trata de mostrar de fato sua criatura. Até o protagonista, Benedict Cumberbatch, parece estar em um filme mais melodramático, e mais dado a grandes gestos de emoção, do que o diretor está disposto a bancar por boa parte da metragem. A performance do astro é exemplar em sua entrega irrestrita às expressões mais extremas do luto do personagem, à linguagem corporal meio macabra que ele adquire e à crueldade que ele vai assumindo diante dos filhos… uma pena que o filme em que ele está não comporte um desempenho como esse.
No The Thing with Feathers de Southern, esse Cumberbatch maior que a vida parece deslocado. Esta é, afinal, uma adição tímida a um gênero que não comporta mais adições tímidas - para justificar sua existência dentro dos chavões mais batidos que ele representa, o “drama de terror sobre luto com criatura de CGI” precisa provar que tem ideias novas, seja estéticas ou temáticas, para trazer à mesa. The Thing with Feathers simplesmente não as tem. Talvez absorvido no trabalho de domar o tal livro “infilmável”, enfim, o cineasta tenha esquecido de fazer também um filme que se sustentasse com as próprias pernas.
Ano: 2025
País: Reino Unido
Duração: 98 min
Direção: Dylan Southern
Roteiro: Dylan Southern
Elenco: Leo Bill, Benedict Cumberbatch, Sam Spruell, David Thewlis
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