Filmes

Crítica

Vazio e oportunista, Back to Black não honra o talento de Amy Winehouse

Longa de Sam Taylor-Johnson isenta pai e ex da cantora e trata sua biografada como mera hit maker atormentada

23.05.2024, às 14H52.
Atualizada em 23.05.2024, ÀS 15H16

“Eu quero ser lembrada pela minha voz”, repete Amy Winehouse ao longo de Back to Black. Isso pode dar a entender que a cinebiografia dirigida por Sam Taylor-Johnson vai colocar em primeiro plano a figura demasiadamente humana da cantora, e quem sabe investigar, a partir do ponto de vista da própria Amy, como se sucedeu a sua vida breve e sua carreira meteórica. “Lembrar a voz”, porém, significa no fim mais uma sessão de playbacks nessa onda de cinebiografias musicais.

Focando em um curto período da vida de Amy, da composição de seu primeiro álbum, Frank, até pouco tempo depois de sua memorável apresentação no Grammy 2008, a narrativa de elipses de tempo aceleradas tenta focar em pontos cruciais da jornada de glória e perdição de Amy. Acompanhamos suas primeiras canções, sua relação com a avó paterna, Cynthia, o primeiro encontro com Blake Fielder-Civil, entre outras situações que misturam o essencial e o oportuno - no sentido em que são momentos pinçados para definir Amy Winehouse como uma mulher fragilizada pela exposição pública e pela dependência afetiva.

O talento da cantora, que é inquestionável, passa a ser algo secundário, pois as escolhas tomadas aqui a resumem a uma mulher que só pôde ventilar sua vulnerabilidade através de suas letras autobiográficas, o que permite ao filme ser uma sucessão de hits para cantar junto. O roteiro de Matt Greenhalgh – que já havia trabalhado com Taylor-Johnson em O Garoto de Liverpool – dá mais dignidade aos personagens que estão vivos e molda a realidade a partir de seus olhares - não por acaso, os homens que Amy orbitava, como o ex-marido Fielder-Civil e o pai de Amy, Mitch Winehouse, produtor do longa.

Testemunhas privilegiadas da queda de Amy, ambos são tratados no filme como figuras perdoáveis que ora participam e ora antagonizam com o ciclo de dependência e vício da cantora. Se no documentário Amy, dirigido brilhantemente por Asif Kapadia, a trama acompanhava o talento e a jornada da cantora para tentar reassumir o controle de sua vida, aqui ela é completamente desumanizada e seu amor pela música é reduzido ao status de hit maker passional.

Nessas condições, a atriz Marisa Abela dá o seu melhor com um roteiro restritivo, tentando emular ao máximo os trejeitos carregados e o sotaque inconfundível de Amy. A caracterização de roupas, penteado, cenários e situações famosas (como a própria apresentação do Grammy) também tenta, por emulação, imbuir a cinebiografia de verdade e autenticidade. Esse esforço trai novamente as intenções do longa, que se apoia numa certa autoridade (o filme é “fidedigno”; o ponto de vista de Mitch é “pessoal”) para se apropriar da trajetória ímpar de Amy Winehouse e reenquadrá-la com falsa sinceridade e sensacionalismo.

Nota do Crítico
Ruim