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Crítica

Dinheiro Fácil monta parábola bíblica da batalha do Reddit contra Wall Street

Paul Dano brilha em sátira do caso de 2021 da supervalorização das ações da GameStop

19.10.2023, às 06H00.

Um analista financeiro frustrado virou uma espécie de Messias em 2021, quando salvou uma franquia de videogames e, consequentemente, a vida de outros americanos que se viam de mãos atadas. Em menos de um mês, a GameStop, prestes a fechar suas lojas, ressuscitou no mercado financeiro – e tudo porque Keith Gill investiu as suas economias em ações da empresa, e inspirou milhões de fiéis a fazerem o mesmo. Com a compra em massa, rapidamente os papéis da companhia foram supervalorizados no pregão, prejudicando quem apostava contra a empresa no mercado financeiro, como os gigantes de Wall Street. Esse caminho, no entanto, não foi aberto no Mar Vermelho, e sim no Reddit. E essa história, de contornos quase bíblicos, é contada com muito humor e memes de gatinhos em Dinheiro Fácil

Novo exemplar do gênero “pessoas ricas se dando mal”, o filme não se ocupa em fazer uma  completa dramatização do que aconteceu, nem perde tempo com minúcias e explicações didáticas sobre o mercado de ações, como fizeram O Lobo de Wall Street ou A Grande Aposta. O roteiro de Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo (ambas de Orange is the New Black) sai pela tangente inversa: ao invés de concentrar a maior parte da jornada pelo olhar dos envolvidos, decide expandir o seu leque de personagens adicionando a enfermeira e mãe solteira Jenny (America Ferrera), um funcionário de uma das lojas da GameStop Marcos (Anthony Ramos) e as universitárias Riri (Myha'la Herrold) e Harmony (Talia Ryder), personagens fictícios mas que soam muito mais reais do que toda a turma de Wall Street. Seus dramas, problemas, expectativas e até mesmo desespero são o componente-chave que humaniza o velho lembrete que permeia todo o filme: vivemos em um sistema injusto, que quase sempre vai privilegiar aqueles no topo da cadeia alimentar do capital. 

Apesar de vir com uma carga dramática de aspirações a Davi versus Golias, Dinheiro Fácil é uma comédia inteligente que acha o seu tom nas mãos do diretor Craig Gillespie (Eu, Tonya e Cruella) e do editor Kirk Baxter (A Rede Social). Juntos, eles decolam com decisões criativas interessantes e muitos cortes rápidos, como usar  trechos de “WAP”, rap bastante gráfico da Cardi B., com matérias dos telejornais sobre a saga – e até mesmo de uma das falas da congressista Alexandria Ocasio-Cortez sobre o caso. 

Um terceiro componente por dar o tom do filme é Paul Dano. Após as viradas dramáticas mais recentes em The Batman e Os Fabelmans, Dano nos lembra aqui que pode ser um excelente ator de comédia. Embora seja uma tarefa fácil nos fazer torcer contra os bilionários do sistema financeiro, Dano injeta em Keith Gill uma incrível vulnerabilidade que apenas um pai desesperado para garantir o sustento da sua família poderia oferecer – e é algo verdadeiramente injusto o ator não ser levado a sério, mais uma vez, como um concorrente para o Oscar. Colocá-lo, ainda, como uma espécie de Moisés dos tempos modernos cheio de excentricidades é só a cereja do bolo. Esse toque, que tem sua dose de ironia, serve para pintar Gill como um anti-herói autoconsciente; na realidade, todo o caso da GameStop poderia ser simplesmente visto como um case de como trolls de fórum - e não vítimas inocentes do determinismo social - burlaram espertamente os códigos da Bolsa.

Mesmo com todas as conexões que poderiam facilmente parecer como um grande guia de “entendimento de ações para iniciantes”, Dinheiro Fácil não cai na principal armadilha das sátiras de casos da vida real: tentar tornar a história mais espertinha do que ela verdadeiramente é. Na verdade, o filme bebe das manchetes surreais da época e do livro The Antisocial Network (escrito pelo jornalista Ben Mezrich), e transforma tudo em uma envolvente fábula sobre como a corda nem sempre estoura do lado mais fraco. 

Nota do Crítico
Ótimo