Adèle Exarchopoulos em L'Amour Ouf (Reprodução)

Filmes

Crítica

Entre romance e thriller, L'Amour Ouf se afoga - e se salva - no formalismo

Épico francês cairia melhor se assumisse seu idealismo bobo

28.05.2024, às 13H17.

Não dá para negar que L’Amour Ouf tem ritmo. Embora o longa de Gilles Lellouche (ator célebre por Não Conte à Ninguém, mas já em seu terceiro longa na direção) não seja um musical, como circulavam rumores no Festival de Cannes 2024, ele certamente lança mão de recursos… melódicos. Lellouche confia muito em movimentos dinâmicos de câmera - em um diálogo doméstico, ele gira vertiginosamente de um personagem para o outro conforme a discussão se desenvolve - e cenas estendidas que se predicam em coreografia mesmo sem envolver música de fato. Tudo que estiver ao seu alcance, enfim, para nos convencer de que seu filme merece nossa atenção por quase três horas.

De momento em momento, até que funciona. Em seu melhor, L’Amour Ouf é um romance cinético em que conversas parecem danças, danças parecem brigas, e brigas aparecem como um choque de violência e realidade que mobilizam e intrigam pelo próprio deslocamento dentro do universo meio utópico, de uma ingenuidade ultra-estetizada, no qual o filme se coloca. Com o diretor de fotografia Laurent Tangy (O Acontecimento) e o montador Simon Jacquet (Wasp Network), Lellouche dobra a aposta no formalismo para nos vender essa história de emoções e ambições elevadas, em que o amor conquista tudo com uma força preternatural e predestinada.

Nada de errado com isso - de fato, é a mesma receita de alguns dos filmes favoritos da cinefilia média (e meus também, para ser honesto). Baz Luhrmann fez algo parecido em Moulin Rouge!, Jean-Pierre Jeunet alcançou o nirvana desse procedimento em Amèlie Poulain, e até as Wachowski se aproximaram dessa transcendência narrativa via imagem em Speed Racer. Mas esses são filmes que assumem e abraçam o seu escapismo idealista como filosofia desde o primeiro minuto, e que se mantém obstinados nesse trilho durante toda a jornada em que nos levam, como se estivessem martelando nossa cabeça com a sua crença absoluta na humanidade elevada que representam. De certa forma, você precisa ceder a eles, ou ao menos respeitá-los, porque eles simplesmente não cedem.

L’Amour Ouf, por outro lado… adaptando o livro de Neville Thompson, Lellouche e sua parceira de roteiro Audrey Diwan (também de O Acontecimento) se desdobram para abraçar uma história de amor que também é um thriller criminal, um comentário social sobre desigualdade de classes, uma análise do abismo que existe entre as pessoas que nascem diferente e as forças que os repelem uns dos outros mesmo quando eles se amam. É todo um outro gênero, uma outra realidade e uma outra mensagem que existem aqui dentro, e talvez no espaço mais arejado da literatura a mistura até fizesse sentido, mas no filme L’Amour Ouf a ambição granulada dessa história de gangues se choca violentamente com o draminha doméstico de encontro e desencontro que define o casal principal.

E Lellouch, por toda a sua audácia visual, simplesmente não está equipado para represar a energia desse choque e transformá-la em um discurso eloquente ou contundente o bastante para convencer. Daí que, por exemplo, os protagonistas da fase adulta da história - Adèle Exarchopoulos e François Civil, dois atores de pedigree comprovado no cinema francês - se vejam irremediavelmente puxados em direções distintas, de uma maneira que o filme não consegue remediar nos minutos finais para o qual guarda sua reunião. São personagens que parecem até desconectados do primeiro amor improvável, mas inteiramente crível, que os jovens Mallory Wanecque e Malik Frikah interpretam com garra e olhares brilhantes no começo do longa, ambientado na adolescência do mesmo casal.

L’Amour Ouf, enfim, encontra sua graça salvadora na dedicação aos prazeres estéticos, mas não consegue maquiar o fato de que toda essa ousadia está aqui para disfarçar que ele não faz ideia como construir pontes entre as pessoas, tempos e ideias de gênero que quer abraçar em sua ambição de épico. Seria melhor, portanto, ter apostado no singelo.

Nota do Crítico
Regular