Madame Teia/Sony Pictures/Reprodução

Filmes

Crítica

Mesmo se equilibrando em referências, Madame Teia acha razão de ser em si mesma

Longa, no entanto, não escapa dos deslizes dos seus antecessores e ainda constrange com tentativa de criar profundidade emocional

13.02.2024, às 11H23.
Atualizada em 13.02.2024, ÀS 19H15

É no mínimo ousado que, antes de apresentar sua heroína Cassie (Dakota Johnson), Madame Teia decida primeiro revelar ao espectador que existe uma tribo de Pessoas-Aranha no meio da Amazônia. Não porque o contexto não seja importante para compreender a transformação pela qual a paramédica passará — até é. Mas, em tela, esta é uma imagem que transmite tudo menos gravidade: pessoas pintadas de vermelho, com galhos pretos enrolados pelo corpo, exibindo seus poderes como se estivessem em Crepúsculo tem algo ridículo que não condiz com um filme que se vende como um thriller. Como levar a sério os riscos que Cassie está prestes a encarar quando sua história começa com uma interpretação tão literal do uniforme do Homem-Aranha? Como ser otimista quando, novamente, o universo Sony demonstra não conseguir se desvincular de algum grau de constrangimento?

Por mais que o momento se sobressaia, ele não deveria ser tão chocante: quem assistiu a Venom e Morbius sabe que sutileza não é exatamente o que nenhum desses filmes procura — e, convenhamos, ninguém esperava que fosse Madame Teia, que já nasceu criticado, o título a reinventar a roda. Mas é curioso que seja a própria história de origem da heroína a ressaltar esse tom caricato de modo negativo. Porque tão logo o exibe de forma desembaraçada, ele o atenua e, por quase toda a duração do filme, você até esquece a cena curiosa na floresta. Afinal, a vida de Cassie não tem nada muito fora do ordinário, mesmo depois de descobrir que tem poderes — nada, pelo menos, que ameace a suspensão de descrença em um contexto em que pessoas veem o futuro, escalam paredes e confiam o salvamento de um bebê à picada de uma aranha. À sua maneira, Madame Teia é até sóbrio em comparação com seus antecessores dada a sua trivialidade: no fundo, Cassie é apenas uma mulher nos seus 30 anos, com traumas não resolvidos, que quer salvar três adolescentes das garras de um homem mal-intencionado, e há um charme na forma com que o filme traduz essa premissa sem embaraço ou ironia.

Parte da razão para esse efeito está no claro conforto que Dakota Johnson sente nesse papel. Distante da imagem clássica da Cassandra Webb dos quadrinhos — isto é, a idosa cega, portadora de uma doença neurológica que a obriga a usar uma cadeira cheia de apetrechos para se manter viva —, a atriz faz da personagem um reflexo das suas qualidades. Cassie compartilha seu senso de humor seco, o que torna as alfinetadas rápidas com o trio de futuras Mulheres-Aranha ou, mesmo, com Adam Scott carismáticas. De forma semelhante, sua ansiedade social também é muito bem-vinda aqui para estabelecer por que a protagonista é e escolhe permanecer sozinha. Quer dizer, sem grandes cobranças no quesito ação, Johnson fica na sua zona de conforto, e isso não é um problema. Na verdade, é um dos indícios de que existe em Madame Teia uma despretensão, um desprezo às megalomanias que marcam hoje os filmes de herói, que se prova não só agradável, mas um resgate à cafonice que é clássica das HQs.

Talvez por isso a redundância de algumas constatações, assim como a simplicidade na construção dos seus personagens — desde o estereótipo de boa garota de Julia (Sydney Sweeney) até a motivação do vilão Ezequiel (Tahar Rahim) — não ofendam aqui. É tudo muito óbvio, mas Madame Teia faz disso um estilo. Ou seja, não é que o filme subestime o público e sua capacidade de acompanhar a trama, porque ele mesmo não tem a intenção de ser lá muito perspicaz — e a insistência em representar a padronagem das teias em vidros e objetos de cena é a prova disso. No máximo, ele tem a consciência de não se levar muito a sério, mas com o cuidado de não desdenhar dos conflitos e dilemas de seus personagens. É esse equilíbrio delicado que garante, por exemplo, que a avalanche de referências à mitologia do Homem-Aranha se encaixem na história de Cassie, sem roubar os holofotes ou se transformar em muletas. Em Madame Teia, eles são de fato detalhes, menções que atiçam a curiosidade, e não sua razão de existir.

Curiosamente, porém, é esta mesma consideração com a protagonista que minimiza o filme no seu terceiro ato. Porque, na tentativa de dar profundidade emocional à sua jornada, Madame Teia perde a mão e, em vez de reproduzir seu tom constante e honesto de modo mais intenso, retoma o constrangimento da primeira cena. É nesse momento que os trocadilhos passam a ser mais incômodos, o CGI mais presente e a trama mais arrastada. O que era uma cafonice intencional se transforma em um sentimentalismo fora de tom, e de repente a performance de Johnson dá espaço para uma ironia incômoda, como se ela mesma, e não Cassie, visse graça em tanta pieguice.

Como consequência desse contraste infeliz, o que parecia uma estreia razoável em longa-metragem para a diretora S.J. Clarkson acaba enfraquecida — uma pena, considerando que ela foi capaz de caminhar por uma linha tênue entre o brega e o ridículo por boa parte do filme. Mesmo assim, isso não anula seu mérito de conseguir o que parecia improvável. Acredite: mesmo com o fio de mitologia da personagem das HQs como base, Clarkson conduz Madame Teia como uma história convidativa e até divertida. Sem grandes pretensões, mas honesta — um resultado mais proveitoso que o que o MCU obteve nos últimos anos com sua mania de grandiosidade sem propósito. 

Nota do Crítico
Bom