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Crítica

Frívolo, Persuasão destoa da tradição de adaptações de Jane Austen para as telas

Preocupação com uma aparência descolada esvazia a protagonista complexa e sensível de Austen

17.07.2022, às 12H04.
Atualizada em 18.07.2022, ÀS 11H49

De Patricinhas de Beverly Hills (1995) e Bridget Jones (2001) a Orgulho, Preconceito e Zumbis (2016), não faltam opções para todos os gostos quando o assunto é adaptar e modernizar as obras clássicas de Jane Austen. Diferentemente de versões mais atentas aos originais - como Orgulho e Preconceito (2005) ou Emma (2020) - adaptações livres se propuseram a evidenciar o que há de mais íntimo e atemporal na produção da autora, recuperando-a para o tempo presente. O equilíbrio entre o rigor e a reinvenção, tão bem preservado pela tradição das referências à Austen, é rompido por Persuasão, a nova adaptação da Netflix à obra homônima da autora.

Apostando em um elenco liderado por Dakota Johnson, o longa de Carrie Cracknell fracassa em suas pretensões de modernização da narrativa, ao mesmo tempo em que abandona os elementos de sustentação do original. Quebrando a quarta parede, a produção conta a história de Anne Elliot (Johnson), filha do meio de uma família pedante e decadente, que é persuadida a não se casar com Frederick Wentworth (Cosmo Jarvis), um homem humilde sem títulos nem fortuna. 

Depois de oito anos regados a vinho e autopiedade, Anne reencontra Frederick, enriquecido por suas vitórias junto à Marinha Real e decidido a consagrar um casamento e constituir uma família. A talvez grande questão do enredo, em torno do (des)encontro romântico de Anne e Frederick, é fatalmente desperdiçada por um otimismo ingênuo desconhecido por boa parte das heroínas de Austen. Abandonando a trajetória de aprendizagem da protagonista, ficamos com uma versão de Anne que, embora discreta e gentil, parece não ter nada para aprender. 

As tensões de seu núcleo familiar, formado por seu pai perdulário, sua afetada irmã mais velha e sua obtusa e autocentrada irmã mais nova, são também subaproveitadas e exageradamente caricatas. Em excessivos monólogos que reiteradamente explicam todas as falsas nuances de cada situação em cena, a produção parece subestimar a inteligência de seu público, ao mesmo tempo em que retira das entrelinhas alguns dos elementos mais caros aos leitores e fãs do original.

Uma preocupação excessiva com uma aparência descolada e contemporânea não apenas esvazia uma protagonista complexa e sensível, como silencia a principal questão de fundo que dá nome à obra: a estrutura social e a questão de classe da Inglaterra do século XIX, que persuade Anne a ignorar seus desejos e sentimentos. Embora bem-sucedido em trazer para a tela um elenco diverso como parte do esforço de atualização da obra, o mesmo não se pode dizer sobre as tentativas de atualização da linguagem e de costumes, cujo resultado final é apenas anacrônico.

Apesar de um saldo irremediavelmente negativo para os amantes da sagacidade característica dos romances de Jane Austen, Persuasão entra para o catálogo da plataforma como um filme leve e agradável, mesmo que despreocupado com o legado que deixa para trás. Sustentado pela interpretação sempre cheia de charme de Dakota Johnson, a produção talvez sinalize para uma nova tradição das produções "de época", alusiva ao sucesso de Bridgerton, que precisarão aprender a preservar o que há de memorável nos grandes clássicos caso pretendam qualquer coisa que não o esquecimento. 

Nota do Crítico
Regular