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Filmes

Crítica

Planeta dos Macacos aposta na consistência e permanece em evolução

Quarto filme do reboot incorpora de vez seu espírito de western civilizacional

09.05.2024, às 18H26.
Atualizada em 10.05.2024, ÀS 09H23

Às vezes um filme trabalha imagens de um jeito tão potente para enformar uma visão de mundo que essas imagens se tornam incontornáveis para além de si. No caso dos Planeta dos Macacos de Matt Reeves, são dois filmes, particularmente a Guerra que fechou a trilogia: imagens que emulam os mitos fundadores do western, das escolhas de roteiro (a busca pelo assentamento seguro é um tema de faroeste por excelência) à linguagem visual (a fusão na morte de César quando seu corpo se mescla com a montanha e torna o mito fundador uma imagem literal).

Essas imagens são incontornáveis; hoje Planeta dos Macacos é definido por elas, da mesma forma que a Estátua da Liberdade arruinada delimitou a cinessérie original em torno do scifi de distopia.

Isso fica claro agora na estreia de Planeta dos Macacos - O Reinado, lançado sete anos depois de Guerra. Trata-se não apenas da primeira continuação sem o chimpanzé César da recente trilogia, mas principalmente de uma continuação que troca a grife de Reeves por uma incerteza, com aroma de trabalho de encomenda: a função de diretor que Wes Ball assume depois de ter assinado a trilogia Maze Runner. O que Ball faz é seguir, no melhor da sua capacidade, temas e tons que foram definidos por Reeves.

Em boa medida isso foge ao controle de Ball, se aceitarmos que essas imagens, temas e tons se tornaram componentes arraigados na franquia. A ideia então é depurá-los. A trama faz uma releitura de um clássico do western revisionista, Rastros de Ódio (1956), para colocar o chimpanzé Noa (Owen Teague) numa aliança com uma selvagem humana, Mae (Freya Allan), para vingar a destruição do seu clã primata, atacado e escravizado pelo novo candidato a César, o bonobo Proximus (Kevin Durand).

O fato de a trama se passar “muitas gerações” depois da trilogia - agora primatas se comunicam normalmente, e são os humanos que parecem definitivamente involuídos - não impede que o faroeste de Planeta dos Macacos permaneça fundacional. Em outras palavras, a grande questão continua sendo a batalha pela civilização ou o que restou dela, e que tipo de sociedade nascerá das novas escolhas pela conciliação ou pela violência. Quando Noa volta para a sua aldeia e a encontra incendiada, isso evoca o filme de 1956, mas a ponte com Rastros de Ódio se consuma mesmo nessa tensão constante (e cambiável) entre quem é o selvagem e quem é o civilizado.

Daí que o desenrolar deste O Reinado, mesmo quando enfoca personagens apresentados de forma efêmera e funcional, como o intelectual adestrado vivido por William H. Macy, consegue imbuir ações e consequências com uma dimensão moral que justifica e assenta essas presenças. Macy poderia ser melhor aproveitado? Provavelmente. Mas quando impõe viradas ao roteiro e o filme não se demora nelas, a narrativa segue adiante com propósito. As decisões de fundo moral se acumulam num crescendo, como acontecia na trilogia a cada provação de César diante da violência.

Que O Reinado mantenha essa consistência em relação ao que veio antes acaba tendo outro efeito vantajoso que é facilitar o trabalho da pós-produção. O longa não parece o típico blockbuster americano apressado pelas horas extras de suas companhias contratadas de computação gráfica. Tanto o processo de logística anterior é mantido (rodar em locações reais com captura de movimento torna tudo mais táctil e a cena da ponte sobre o rio é um ponto alto na fisicalidade) quanto o banco de dados parece reaproveitado e melhorado para refazer as fisionomias dos primatas. O resultado é que este O Reinado não parece uma repetição ou uma derivação dos seus antecessores, mas um passo adiante numa construção de universo desde sempre pautada pelo fundacional. Isso é o que o reboot e a cinessérie original (composta por cinco longas) têm mais em comum e, de novo, não haveria por que ser diferente.

Nota do Crítico
Ótimo