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Power Rangers: Agora e Sempre fica no limiar entre a homenagem e o desrespeito

Especial da Netflix faz belo tributo à primeira Ranger Amarela, mas escorrega na hipocrisia ao desprezar a importância de três dos protagonistas originais - incluindo Jason David Frank, que morreu recentemente

20.04.2023, às 17H21.
Atualizada em 20.04.2023, ÀS 17H33

Há 30 anos, Mighty Morphin Power Rangers era uma febre na TV brasileira. Dá até uma sensação gostosa de nostalgia de lembrar daqueles bons tempos que não voltam mais, não é mesmo? Pois eles voltaram: nesta quarta (19) a Netflix lançou em parceria com a Hasbro o especial Power Rangers: Agora e Sempre, com a reunião da formação clássica da equipe para celebrar as três décadas da franquia. 

Ou quase.

Os heróis da nossa infância, quase cinquentões, estão de volta à ação depois que Billy (David Yost), o Ranger Azul, acidentalmente libertou o mal de Rita Repulsa, que reencarnou em um corpo robótico. Tudo aconteceu enquanto ele tentava resgatar Zordon, desaparecido desde Power Rangers no Espaço. Agora a vilã está em busca de construir a arma definitiva com os poderes dos próprios defensores da Terra. 

Ao revisitar o clássico, o especial compreende o seu legado e não cai na armadilha de tentar reinventar a roda ou buscar uma profundidade sombria. A estética, os cenários, os uniformes, o roteiro e os diálogos são dignos dos anos 1990. Não há receio em ser cafona, afinal o sentimento faz parte da nostalgia.

A evolução, quando acontece, é pontual. Não há mais a escalação de atores jovens adultos para interpretar estudantes do Ensino Médio, por exemplo, e os riscos enfrentados pelos protagonistas são mais elevados. O retorno de Rita Repulsa, a primeira vilã da franquia, traz um perigo que é literalmente de vida e morte. Já as cenas com robôs e monstros gigantes não são mais feitas por pessoas fantasiadas em meio a miniaturas: são produzidas em computação gráfica. 

A isso se junta um roteiro que fez bem a lição de casa, entendendo as pontas soltas deixadas em cada personagem e pelos elementos da história, sem serem necessários retcons. 

A crítica poderia acabar aqui. Cinco ovos. Perfeito. Infelizmente, não.

Um ponto importante para uma boa obra audiovisual, seja do tamanho que for, é entender que ela não existe isolada do mundo. A realidade interage com os elementos em cena, de diversas formas, e cabe a roteiristas, atores, atrizes, produtores e diretores canalizar essa energia para o produto final. 

Power Rangers: Agora e Sempre entende isso quando homenageia Thuy Trang, que interpretou a Trini - a Ranger Amarela original. A atriz morreu tragicamente em um acidente de carro em 2001, quando tinha apenas 27 anos. 

O especial, em seus primeiros minutos - e não é spoiler, afinal está no trailer - traz a morte de Trini em combate. A partir daí, é construído um enredo sobre legado, no qual somos apresentados à filha dela, Minh (Charlie Kersh). É realmente emocionante para quem é fã.

Essa, no entanto, não é a única ausência.

Amy Jo Johnson, a Ranger Rosa original, não aceitou a oferta de participar da produção. Já Austin St. John, o Ranger Vermelho, não teria sido convidado para o projeto devido a graves acusações que enfrenta, de fraude contra o governo dos Estados Unidos.

Jason David Frank, o Ranger Verde, foi chamado. No entanto, de acordo com seu amigo Aaron Schoenke, houve uma disputa de poder com a Hasbro, que atualmente é dona dos personagens. Frank acreditava que o roteiro do projeto era muito semelhante ao de outro filme que ele havia feito (e que ainda permanece inédito), Legend of the White Dragon, do qual Schoenke é o diretor. Isso, juntamente com questões financeiras, impediu um acordo entre as partes.

Em vez de simplesmente seguir em frente com essas ausências, o especial traz Kimberly, Jason e Tommy de volta. Sem os seus intérpretes, os heróis nunca ficam sem máscara e são utilizadas reações vocais pinçadas de antigos episódios, junto com algumas frases soltas. A história os tira de cena em poucos minutos, com os dois primeiros trocados por seus substitutos em Mighty Morphin: Rocky (Steve Cardenas) e Kat (Catherine Sutherland). 

Era mais fácil dizer que eles eram os Rangers ativos desde o começo, com os anteriores citados de forma saudosa para justificar as ausências. 

A escolha criativa ganha mais uma camada de surrealidade porque Jason David Frank morreu pouco depois das filmagens terem sido completadas, em novembro do ano passado. Entre tantas homenagens e falas sobre legado, é decepcionante ver o Ranger Verde sem uma despedida adequada - mesmo que haja uma dedicatória a ele pouco antes dos créditos finais.

Desde os tempos em que era produzida pela Saban, Power Rangers tem um histórico ruim de direitos trabalhistas e de desrespeito aos seus profissionais. Passados 30 anos, isso não mudou - o que deixa uma sensação de hipocrisia na homenagem à Thuy Trang.

No final das contas, vemos que os atores pouco importam - e a morte da Trini é apenas um elemento para ganhar alguns trocados com o sentimento alheio. 

Uma pena. 

Nota do Crítico
Regular