Saudosa Maloca/Elo Studios/Reprodução

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Crítica

Versos de Adoniran Barbosa viram filme em Saudosa Maloca de olho no popular

Longa protagonizado por Paulo Miklos faz crônica chanchadesca da São Paulo do "progréssio"

21.03.2024, às 17H41.
Atualizada em 23.03.2024, ÀS 11H38

Em suas entrevistas, Paulo Miklos gosta de comparar Adoniran Barbosa (1910-1982) ao rapper Sabotage (1973-2003). Os dois tinham seus radares ligados nas ruas pulsantes de São Paulo, na opinião de Miklos, e conseguiam ouvir as histórias, os neologismos e as prosódias da cidade e transformá-las em ideias, em música.

Adoniran e Sabotage conectam o início e o atual momento da carreira cinematográfica de Miklos, que protagoniza a história do sambista em Saudosa Maloca. Há quase um quarto de século, foi Sabotage quem ajudou Miklos a dar mais veracidade ao texto do ator no filme O Invasor (2001), de Beto Brant, que marcava a estreia do Titã como ator. No meio do caminho, Miklos viveu Adoniran no curta-metragem Dá Licença De Contar (2015), que agora é expandido para o longa com Saudosa Maloca.

Pedro Serrano, diretor responsável pelo curta e pelo longa, também tem no currículo o documentário Adoniran - Meu nome é João Rubinato (2018). Talvez por já ter esgotado esse formato biográfico tanto no curta quanto no doc, Serrano diverge do caminho protocolar de cinebiografias como Rocketman (2019) ou Bohemiam Rapsody(2018). Seu Saudosa Maloca é mais uma tentativa de levar à ficção o apelo popular e de crônica da cidade que havia nas canções de Adoniran; o filme pega emprestados os versos como matéria-prima para contar uma história sobre a cidade e suas transformações em nome do "progréssio".

A ideia está, portanto, mais próxima de um filme como Across the Universe, em que uma canção se presta a dar forma a sentimentos e estados de espírito de uma narrativa de fabulação. Ao contrário do longa que tem as canções dos Beatles, Saudosa Maloca é mais comédia do que drama. Uma comédia física, cartunesca, com raízes em Charles Chaplin e Buster Keaton — ou mais exatamente nas comédias populares de Mazzaropi, atentas a especificidades da migração no Sudeste — e têm na dupla Mato Grosso (Gero Camilo) e Joca (Gustavo Machado) o clown e o escada.

Os três juntos são os moradores e protagonistas da Saudosa Maloca, a música e o filme, que falam de um sobrado abandonado que vai dar lugar a um novo edifício, numa situação tão presente na São Paulo gentrificada de hoje quanto na dos anos 1950.

A ideia de transformar as músicas em história é de difícil execução e por isso o filme se perde um pouco nos diálogos que, hora ou outra, saem artificiais das bocas dos personagens. Falta também uma trama mais envolvente para além do comentário sobre a descaracterização voraz das metrópoles (mote usado recentemente também na continuação de Ó Paí, Ó) e o final acaba sendo anticlimático, com o desfecho da história de Iracema (Leilah Moreno) e o despejo ficando mais fortes na memória do que o samba final.

Acredito que os fãs de Adoniran que forem ver o filme por causa da canção talvez nem liguem tanto para o diálogo que o longa tenta travar com o histórico nacional de comédias populares da era da chanchada. Para quem os filmes (semi)biográficos de músicos populares têm a finalidade primeira de servir de tracklist ilustrada, Saudosa Maloca talvez sirva a contento.

Nota do Crítico
Bom