Quando a gente pensa em George Miller pensa em Mad Max. Afinal, entre seus dez longas-metragens, quatro fazem parte da série. Pois ele aparece com uma produção bem diferente no 75º Festival de Cannes. Three Thousand Years of Longing (que pode ser traduzido livremente como “Três mil anos de anseio”), estrelado por Tilda Swinton e Idris Elba e exibido fora de competição, é um filme sobre amor, amor a todas as culturas, amor à humanidade.
O que não mudou foi o gosto do cineasta australiano pelo visual elaborado e original. Mesmo sendo um filme de amor baseado em um conto de A.S. Byatt, Three Thousand Years of Longing é perfeito para isso.
Nele, Alithea (Swinton) é uma especialista em narratologia e estuda as semelhanças das narrativas contadas pelos seres humanos desde a Antiguidade. Em uma viagem a Istambul, ela compra uma garrafinha de vidro antiga. Dentro, está um Djinn (Elba), uma figura da mitologia árabe que encontra semelhantes em diversas outras culturas. É um gênio da lâmpada, mas não espere um Idris Elba azul como o Will Smith de Aladdin. O personagem tem uma concepção visual mais sofisticada.
O Djinn oferece a Alithea três desejos. Mas ela está interessada em sua história. E a história do Djinn, quase uma terapia de seus 3 mil anos de aprisionamento, recupera parte das histórias da humanidade ou das histórias contadas pela humanidade, como a da rainha de Sabá, que aparece na Torá, na Bíblia, no Alcorão e na história etíope, ou do sultão Suleiman, o Magnífico, que governou o Império Otomano no século 16. São narrativas que oferecem a George Miller a chance de exercitar sua criatividade, ao som da belíssima trilha de Tom Holkenborg, o compositor de Mad Max: Estrada da Fúria.
O interesse do Djinn é compreender a humanidade. Ele não deveria, mas sente como um ser humano, apaixona-se por mortais e precisa lidar com seu trauma. Não é, portanto, apenas um ser mágico. Alithea sente por meio das histórias, pois ela decidiu evitar vivê-las. Em princípio, ela nem tem desejos. Miller tem uma dupla de atores com carisma e talento suficientes para lidar com essas dimensões.
Mas não espere cenas de ação eletrizantes como as de Mad Max: Estrada da Fúria. Aquela era uma história de sobrevivência em circunstâncias extremas, de opressão, caos e loucura. Three Thousand Years for Longing tem um olhar mais esperançoso. Alithea comenta que nada muda na história de humanidade, que, em momentos de confusão, os seres humanos cedem aos seus piores instintos. O Djinn responde que isso é ser humano, mas prefere falar do amor. Como perder as esperanças quando o ser humano encontrou tantas formas bonitas para explicar os acontecimentos do mundo?
O filme ridiculariza quem acredita ser de uma cultura superior por estar no Ocidente. A história da Humanidade começou na África e na Ásia, e as narrativas e mitos que vêm de lá são ricas. As três principais religiões nasceram no Oriente Médio. George Miller, de maneira bela e lírica, mostra que, na verdade, os seres humanos são mais parecidos do que gostam de imaginar. E talvez, o que nos faz humanos são as histórias que contamos ou inventamos.
O diretor tinha esse projeto fazia mais de 20 anos, mas ele não poderia chegar em melhor momento. Durante a pandemia, todos percebemos como as histórias são tão fundamentais para nossa sobrevivência quanto a água, a comida, o ar limpo. Seria melhor se nos abríssemos também às histórias de outras partes do mundo, sobre personagens diversos, que nos mostram como somos humanos.