Austin Butler em cena de Clube dos Vândalos (Reprodução)

Créditos da imagem: Austin Butler em cena de Clube dos Vândalos (Reprodução)

Filmes

Crítica

Clube dos Vândalos faz crônica de comunidade engolida pela marcha da história

Jeff Nichols retrata de forma trágica os EUA definidos pela violência do século XX

Omelete
4 min de leitura
20.06.2024, às 13H47.

A história de Clube dos Vândalos, em sua essência, está encapsulada em duas cenas (não é spoiler, prometo). Na primeira, Johnny (Tom Hardyassiste TV em sua sala de estar, os olhos brilhando enquanto Marlon Brando desfila afetação desajustada em O Selvagem (1953), respondendo a uma moça que lhe pergunta contra o quê ele está se rebelando: “Quais são as opções?. Na segunda, os Vandals, clube de motoqueiros fundado por Johnny no Meio-Oeste dos EUA, passam por uma ruazinha sonolenta em uma cidade no meio do nada e capturam a atenção de um jovem delinquente (Toby Wallace) e seus amigos, que reagem com fascinação que pode até parecer a mesma de Johnny por Brando - mas o tempo vai provar que não é.

Pronto, está aí todo o insight e toda a tragédia que Jeff Nichols captura tão precisamente em Clube dos Vândalos. Se está batido dizer que o andar da história humana é cíclico, que a cultura se retroalimenta e que as angústias de cada geração são reedições cansadas (mas totalmente convencidas de seu ineditismo) das angústias da geração passada, Nichols bate de frente com essa noção. Aqui, o tempo e a história são forças unidirecionais de perversão, de distorção - a realidade do hoje assusta aqueles que lhe deram à luz ontem, porque eles o fizeram quase como que de brincadeira, almejando dar carne e osso a um ideal que deixava de fora as partes mais feias da realidade.

E sim, em certo sentido Clube dos Vândalos é só, de novo, aquela velha história do fim da inocência na América durante os anos 1960, dos sonhos da contracultura desmoronando diante das mil e uma durezas da realidade criada pelas consequências das violências óbvias do século XX e o nascimento das violências menos óbvias do século XXI. É um retrato da confusão e da convulsão desse período nos EUA que já foi feito de forma magistral em filmes como Easy Rider: Sem Destino (mencionado por nome, em tom de piada, no terceiro ato do filme), Taxi Driver e Perdidos na Noite, um conflito que definiu e define a obra de cineastas como Martin Scorsese, Oliver Stone e Paul Schrader

Nichols está pelo menos 50 anos atrasado para a festa, portanto, mas pelo menos ele não chegou de mãos abanando. Antes de qualquer coisa, os fãs do cineasta vão ficar felizes em saber que, embora Clube dos Vândalos seja o seu primeiro filme em oito anos (os excelentes Destino Especial e Loving saíram em 2016), ele continua fazendo cinema do mesmo jeito - e até com as mesmas pessoas. Pudera: o diretor de fotografia Adam Stone e a montadora Julie Monroe se entrelaçam instintivamente, ambos costurando composições enganosamente precisas, quase matemáticas, que nos envolvem no universo dos personagens e fazem esquecer que, no fim das contas, muito pouco está acontecendo na tela - porque eles deixam que vejamos tudo o que não acontece nela.

É um cinema de quietude, mas também um cinema extraordinariamente comunicativo. Quando Cathy (Jodie Comer) anda pela primeira vez com Benny (Austin Butler) e o restante do clube de motoqueiros na estrada, tudo o que vimos acontecer entre eles e tudo o que sabemos concretamente da vida dela é só metade do texto. O resto está na solidez angular dos ombros de Butler, curvado sobre a mesa de bilhar quando os dois se conhecem; nos olhos fechados de Comer na garupa da moto; na forma como Nichols deixa a câmera se perder nos borrões dos arbustos mal cuidados na beira de estrada quando eles passam, evocando a velocidade que eles percebem como libertadora, mas nós vemos como transitória; na proximidade e no afastamento que define as interações de Benny com Johnny, de Benny com Cathy, de Cathy com Johnny, e por aí vai.

Esse triângulo quase-amoroso essencial da trama, inclusive, revela nas performances de cada ator as relações dramáticas possíveis dentro do cinema de Nichols. De um lado, Austin Butler segue na trilha do seu Elvis ao construir mais um personagem-símbolo estadunidense, trocando a evocação do rei do rock por um simulacro de James Dean de araque, todo violência e ternura enterradas sob uma camada de couro e brilhantina. De outro, Tom Hardy faz um brutamontes de coração de ouro pintado em tintas de masculinidade contemporânea, se divorciando de Brando e Clint Eastwood pela facilidade com a qual acessa sua afeição. No meio dos dois, Jodie Comer afeta um sotaque sulista exagerado e se acomoda confortavelmente na posição de âncora narrativa do filme, ponto de acesso para o espectador entrar naquele mundo, emprestando toneladas de dignidade a um papel que poderia se mostrar repetitivo com outra abordagem.

O trunfo de Cathy para escapar da sina da personagem feminina sensata, reduzida a babá dos machões impulsivos ao seu redor (um tipo comum no cinema ao qual Nichols adiciona sua sensibilidade aqui), é que Clube dos Vândalos quer muito que a narrativa dela te envolva. O espectador valoriza o ponto de vista dela porque o filme o considera inestimável para que você se perca nesse mundo, que entenda o sonho que os motoqueiros perseguem e sinta a dor de descobrir com eles que esse sonho é impossível - que, não importa o quanto você acelere, a história ainda vai te ultrapassar com sua marcha sem escrúpulos.

Nota do Crítico
Ótimo
Clube dos Vândalos
The Bikeriders
Clube dos Vândalos
The Bikeriders

Ano: 2023

País: EUA

Duração: 116 min

Direção: Jeff Nichols

Roteiro: Jeff Nichols

Elenco: Michael Shannon, Norman Reedus, Tom Hardy, Jodie Comer, Mike Faist, Austin Butler

Onde assistir:
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