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Crítica

Springsteen: Salve-Me do Desconhecido é melancólico, intimista e apaixonado

Cinebiografia foca em período de isolamento e abraça amizade do cantor e compositor com Jon Landau

Omelete
5 min de leitura
21.10.2025, às 19H22.
Atualizada em 23.10.2025, ÀS 14H52

Em um de seus textos para a Rolling Stone, ainda como crítico, Jon Landau escreveu que “sem paixão, não há comprometimento. Sem comprometimento, não há nada”. Não há energia, motivação, rigor e honestidade. Poucas sentenças poderiam descrever tão bem a parceria de Landau com Bruce Springsteen, tal qual o trabalho do cantor e compositor em estúdio e nos palcos, como essas. A dupla trabalhou junta de 1975 até 1992 e foi responsável pelos maiores sucessos de Springsteen, entre eles os álbuns Born to Run, Darkness on the Edge of Town, The River, Born in the U.S.A. e Nebraska. É a história deste último, um dos trabalhos mais elogiados da carreira do “Boss” - e tido pelo próprio como seu favorito -, que inspirou Springsteen: Salve-Me do Desconhecido, a mais nova cinebiografia musical, que segue o filão puxado pelo sucesso de Bohemian Rhapsody, em 2018.

O filme é adaptado do livro Deliver Me from Nowhere: The Making of Bruce Springsteen's Nebraska, do jornalista Warren Zanes, e como o nome diz, narra o processo do artista para criar seu disco mais pessoal e intimista. A história acompanha Bruce (Jeremy Allen White) terminando a turnê de The River e sofrendo com traumas e amarguras do passado. A saída que ele encontra é se isolar. 

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Fissurado em Terra de Ninguém, de Terrence Malick, e no assassino Charles Starkweather, além das histórias de Flannery O’Connor, da banda punk Suicide e outras obras, Bruce coloca em suas letras um trabalho que analisa além de tudo, a si mesmo. Nebraska é um estudo sobre o colapso físico e mental que a depressão estava causando em Bruce, algo que ele só falaria abertamente décadas depois. As influências das obras que consumiu passaram a refletir ainda mais o estado das coisas na América do Norte e moldou diretamente o trabalho seguinte - que foi composto junto de Nebraska - e sua carreira dali para frente.

A escolha por esse recorte no tempo é a decisão mais acertada que o diretor e roteirista Scott Cooper poderia ter feito para contar uma história sobre Bruce Springsteen. Ao abordar sua saúde mental e traumas relacionados ao comportamento violento do pai, Cooper pode contar um pouco da infância do cantor, trabalhar dramas pessoais e ainda criar momentos musicais que vão agradar aos fãs tanto de Bruce quanto do gênero. O diretor se apropria da forma como Springsteen conta suas histórias nas músicas - e em sua autobiografia Born to Run - para dar um tom melancólico e quase poético em momentos como os que vemos Springsteen dirigindo entre as árvores, caminhando pela praia em Asbury Park ou vivendo uma paixão dentro de um carrossel. Há um momento incrível em que o diretor mistura presente e passado, com Bruce cantando Nebraska e pai e filho assistindo O Mensageiro do Diabo, de Charles Laughton, que parece saído diretamente de um vinil do cantor.

Essa falta de necessidade em correr para contar o maior número de eventos possíveis - erro comum de cinebiografias - ajuda naquele que é o segundo grande mérito de Salve-Me do Desconhecido: o elenco. Jeremy Allen White pode não ser o ator mais parecido com Bruce Springsteen em Hollywood, mas impressiona ao emular os trejeitos na voz, a forma de andar, as caras e bocas e, claro, os momentos em que precisa cantar. Mais do que um cosplay de Springsteen, o ator está mais preocupado em criar uma atuação que represente fielmente um dos maiores nomes da música mundial. Aos fãs de O Urso, é impossível não criar paralelos com as angústias de Carmy e Bruce e a série parece uma grande preparação para que White chegue ao filme e brilhe ainda mais. Se é impressionante vê-lo performar Born to Run logo no início do filme, chama ainda mais atenção quando ele canta de forma perfeita o hino “springsteeniano” Born in the U.S.A.. 

Saindo de interpretar o desprezível Roy Cohn - e preste a ser Mark Zuckerberg no cinema - Jeremy Strong faz de Jon Landau a voz da razão em um mundo tomado pelo caos depressivo de Bruce. Ao criar essa figura amigável, mas tão importante quanto o biografado do título, Strong dá forma ao responsável por ter feito com que Bruce pudesse se expressar e colocar para fora todos os demônios que o estavam consumindo. É uma atuação serena e não menos impecável do ator. O mesmo vale dizer sobre Odessa Young, que encapsula em Faye os amores e relacionamentos de Bruce no período, e o sempre ótimo Paul Walter Hauser, como Mike Batlan, responsável por gravar Nebraska em um quarto e uma fita cassete.

Springsteen: Salve-Me do Desconhecido é uma jornada muito mais intimista do que espetacular, algo que o próprio Bruce consegue ser em trabalhos como The Rising, onde reflete sobre o 11 de setembro, ou Letter to You, no qual fala sobre a finitude da vida com baladas mais animadas, que inclusive abrem seus shows mais recentes. É interessante que até essa negação do espetáculo esteja na história, com momentos de shows sendo cortados ou apenas apresentados em seus minutos finais. Várias músicas de Born in the U.S.A. foram compostas juntas de Nebraska, que poderia ser um álbum duplo. Entretanto, Scott Cooper aproveita a própria rejeição de Bruce a juntar os dois trabalhos, para incorporar isso na jornada desse herói americano e dar não apenas o peso dramático para o cantor, mas também um desafio para Landau.

Quase um filme do multiverso 20th Century de Cinebiografias Musicais, junto com Um Completo Desconhecido - no melhor sentido possível -, Springsteen: Salve-Me do Desconhecido é uma obra com a personalidade de seu biografado, mas que nunca parece moldada apenas para agradá-lo. Bruce, hoje, não tem mais problemas em falar sobre seus demônios. Basta assistir e ouvir suas explicações no documentário-concerto Western Stars para entender. É uma obra apaixonada e comprometida, que encontra em seus dois personagens centrais - atores e reais - a energia e a honestidade para fazer dele um dos melhores exemplares do gênero.

 

Nota do Crítico
Ótimo

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