Pedro Alonso em Berlim

Créditos da imagem: Berlim/Netflix/Reprodução

Séries e TV

Crítica

Berlim assume de vez seu romantismo canalha no derivado de La Casa de Papel

Agora como protagonista, ladrão põe até seu esquema mirabolante em segundo plano em nome do “amor”

Omelete
5 min de leitura
29.12.2023, às 06H00.

O romance sempre foi um elemento importante em La Casa de Papel. Ora como efeito colateral em um atraco, ora como ponto de partida para um novo esquema, desde a primeira temporada o amor dividiu os holofotes com os planos elaborados e com o jogo de gato e rato com a polícia. Não a ponto de suplantar a adrenalina das idas e vindas do roubo, mas como um lembrete recorrente de que mesmo os ladrões mais cerebrais eram humanos e, portanto, capazes de colocar a fortuna em risco com uma atitude passional. Logo, não é surpreendente que o desejo e a paixão voltem a operar como um ingrediente relevante em Berlim — até porque o romantismo canalha é um dos principais traços do personagem de Pedro Alonso. No entanto, o que salta aos olhos é notar como, no derivado, o DNA de La Casa de Papel se acomoda na comédia romântica. Acredite: aqui, a ambição é menos financeira, e mais amorosa.

Isso não quer dizer que este Berlim seja menos ganancioso ou, pior, que fique com a consciência pesada por quaisquer atrocidades cometidas. A ousadia e a vilania do agora protagonista ainda estão ali, em evidência, embora esta seja uma história anterior a La Casa de Papel — aliás, anterior a qualquer sinal do seu adoecimento. A questão é que, embora o derivado parta da ambição de roubar joias valiosas em Paris, essa premissa serve apenas como pretexto para que a série reúna um grupo de ladrões habilidosos, sim, mas que, como Berlim, estão cheios de amor para dar.

Tome Roi (Julio Peña Fernández) como exemplo, um assaltante leal e experiente, capaz de abrir qualquer fechadura. Sua confiança é ameaçada no segundo que recebe a missão de ficar de olho na misteriosa novata Cameron (Begoña Vargas), com quem não pode sequer cogitar se envolver romanticamente, segundo as instruções do Berlim. Ou, então, pegue a engenheira Keila (Michelle Jenner), uma verdadeira gênia que vê seu raciocínio, antes tão afiado, ser bagunçado pelo faz-tudo musculoso Bruce (Joel Sánchez). A única exceção aparente no bando é o professor universitário Damián (Tristán Ulloa) que, casado há muitos anos, não é capaz de enxergar uma vida para si mesmo que não seja ao lado da sua esposa. Quer dizer, até que ele precisa.

Berlim propõe, assim, uma inversão na dinâmica da produção original; uma maneira segura de introduzir alguma novidade à franquia, mas que está posta logo na largada — o plano da vez surge mais como uma distração após o terceiro divórcio de Berlim do que propriamente uma busca por enriquecimento. Por isso, é coerente que tão logo encontre uma mulher atraente e interessante, o líder do esquema não pense duas vezes e se disponha a colocar seus aliados em perigo para viver sua nova paixão. Da mesma forma, não é difícil justificar o uso de tropos clássicos das rom-coms, mesmo quando o protagonista tenta fabricá-los. Quando se estabelece que, mais do que a prisão, o grande risco que todos correm é o da rejeição, todas as peças do tabuleiro, as novas e as antigas, se encaixam sem muito esforço, e Berlim se mostra uma produção que se sustenta em si mesma.

Nesse sentido, mesmo que Alicia Sierra (Najwa Nimri) e Raquel Murillo (Itziar Ituño), a Lisboa, reapareçam, elas não são muletas para prender a atenção do fã. Seu papel narrativo é criar obstáculos para os ladrões e, consequentemente, reintroduzir o roubo à equação — uma espécie de garantia de que ainda se trata de uma história de La Casa de Papel, digamos. Com essa estratégia, que privilegia as reviravoltas, Berlim conserva ainda o desenrolar novelesco da trama — para o bem e para o mal. No entanto, vale dizer que ter apenas oito episódios a torna mais bem resolvida que sua antecessora: há enrolação, mas menos.

Essa objetividade é reflexo da decisão de colocar o esquema em segundo plano, já que ela permite que Berlim não perca de vista o desenvolvimento dos seus personagens — ou, em alguns casos, do relacionamento entre eles. Assim, o pé mais no humor se prova preciso para retratar os cabos de guerra internos de Keila e Bruce: a confusão é divertida, sobretudo porque entender a origem dessa atração enquanto ela ocorre é uma tortura sensual para ambos. Já no caso de Damián, descobrir-se alguém fora do seu relacionamento se torna uma aventura ao mesmo tempo dramática — às vezes, até demais — e efervescente.

Embora os novatos sejam importantes para que amores e atracos sejam envolventes, Berlim não teria razão de ser se seu protagonista não estivesse também suscetível à leveza e às dores das comédias românticas. Esse é o ingrediente que os criadores Esther Martínez Lobato e Álex Pina não poderiam perder a mão, e contar com o sempre carismático Pedro Alonso faz toda a diferença. Mais uma vez, seu charme transborda em tela, a ponto de compensar alguns dos momentos mais baixos do derivado, sobretudo no miolo da série, quando o arco do seu personagem se torna o menos interessante. Porque não adianta: há um preço a se pagar quando se coloca um gênio do crime para negar a lógica em nome do amor tantas vezes. Agora, o prejuízo poderia ser maior ou menor, a depender da graça do seu protagonista. Nesse caso, depois de cinco temporadas de La Casa de Papel, a aposta foi espertamente precificada. Afinal, às vezes nada é mais irresistível que um canalha romântico no auge do seu atrevimento — e Alonso demonstrou de novo que sabe muito bem como ser esse cara.

Nota do Crítico
Bom
Berlim
Em andamento (2023- )
Berlim
Em andamento (2023- )

Criado por: Esther Martínez Lobato e Álex Pina

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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