The Acolyte revolta fãs de Star Wars com mudanças na mitologia - mas é só isso?

Créditos da imagem: Lucasfilm/Divulgação

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The Acolyte revolta fãs de Star Wars com mudanças na mitologia - mas é só isso?

Antes de estrear, série do Disney Plus sempre foi olhada com suspeição na internet e sofre com recepção da comunidade

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7 min de leitura
20.06.2024, às 17H11.

Não é de hoje que Star Wars tenta se renovar. O universo criado por George Lucas convive com essa missão, assim como todas as grandes saga, desde o primeiro sucesso; afinal, o desafio maior de uma franquia é se manter viva e contemporânea, e para isso é primordial a renovação de público. Mas como renovar sua audiência em uma época em que a internet amplifica vozes, distorce impressões e vende mentiras como se fossem fatos, alterando a real percepção do público sobre um produto?

A resposta não é simples, mas o caminho está, no fim do dia, nos números e na continuidade de uma narrativa. E não quer dizer que somente os números brutos de audiência importam, e sim os detalhes embutidos neles - mais ainda em uma época em que o demográfico disponibilizado por plataformas de streaming e redes sociais permitem uma análise muito mais profunda de quem realmente consome. O fato é que Star Wars vive de altos e baixos desde o fim da última trilogia, que indiscutivelmente trouxe a marca de volta para os holofotes, com bilheterias astronômicas e evocando amor e ódio na mesma grandeza.

Acontece que após isso, ou ao mesmo tempo, a Disney e a Lucasfilm se viram num entrevero para fazer de Star Wars uma Marvel da fantasia sci-fi. E por mais que exista esse potencial, não é como se um raio caísse duas vezes no mesmo lugar com essa frequência ou proximidade. Tirando Rogue One, nenhum dos filmes derivados vingou de verdade (Han Solo), e alguns nem saíram do papel (Lando). As séries, por outro lado, são as que melhor representam o momento que a franquia vive, um grande furacão de emoções, com momentos incríveis de amadurecimento e nostalgia, e outros de pura confusão. Andor e o universo de Mandaloriano são exemplos de sucesso, mesmo que haja discussão sobre a audiência do primeiro e a qualidade do segundo - o fator continuidade levou a Disney a renovar Andor e fazer mais temporadas e até um filme do Universo de Mandalore.

Em outros cenários estão Obi Wan Kenobi e a mais recente The Acolyte. Uma é a pureza da nostalgia, um projeto que traria até os fãs que odiaram as prequels no lançamento (que hoje são poucos, mas era o grupo mais vocal em 1999), de volta à franquia com Anakin e seu mestre em uma história nunca contada. A execução foi abaixo do esperado, com críticas e recepção da comunidade mornas. A Disney ainda tentou emplacar a renovação da minissérie com diversas entrevistas com Ewan McGregor, mas até agora nada vingou. The Acolyte (e logo mais Skeleton Crew) vêm em uma toada bem diferente, onde se preza pela expansão pura e simples do Universo, sem conexões de nostalgia diretas ou rostos icônicos - e por mais que o fã clame por coisas novas, não há nada no mundo que ele desgoste mais do que mexer nos brinquedos dele sem ser avisado.

A Disney, inclusive, já deveria ter aprendido isso com a Marvel. Em baixa depois do sucesso de Ultimato, a empresa tentou emplacar uma avalanche de novos personagens em filmes e séries a rodo. Quase nenhum fez o sucesso esperado - independente de qualidade ou recepção. O fã, que pedia por uma renovação em gênero, estilo e “fórmula” há anos, não apoiou rostos novos para substituir Capitão América ou Homem de Ferro. Talvez, se a mudança fosse feita de forma menos brusca e mais calculada, com lançamentos mais parcimoniosos, a recepção teria sido diferente. Mas a pandemia aconteceu, assim como o boom dos streamings, e não existia mais tempo para criar, pensar e respirar. O negócio era lançar. Quem hoje lembra direito dos episódios de Gavião Arqueiro, She Hulk, Cavaleiro da Lua ou Lobisomem à Meia-Noite? Todos foram engolidos, seja pelo algoritmo, seja pelo consumo desordenado da audiência.

Star Wars vive, guardadas as devidas proporções e espaço de tempo, um momento parecido com o da Marvel. O sucesso da marca nos parques, na trilogia mais recente e até com Mandaloriano são indiscutíveis, os números comprovam - só com a bilheteria de quatro filmes a Disney recuperou o investimento feito para comprar a Lucasfilm. Mas com esse vale da perdição e confusão que a companhia entrou na pandemia, a aposta em mais conteúdos, novos personagens e a reformulação de uma mitologia consagrada não soou bem aos ouvidos dos fãs - e quem está pagando o pato por isso, claro, é The Acolyte.

A série está longe de ser indefensável, mas ela é um claro produto da fase pandemia, assim como Obi Wan. Uma produção de caráter limitado, roteiro simplificado ao extremo e uma montagem que deixa transparecer uma série de alterações na história para ser mais acelerada do que deveria. As atuações são canastronas, como em quase todo Star Wars, e a forma seriada como ela é apresentada em nada ajuda a manter o espectador interessado - os mistérios dos episódios terminam sem gancho forte e as cenas de ação feitas para engajar não permeiam 10% dos episódios. É como se O Livro de Boba Fett se encontrasse com Obi Wan Kenobi, mas com absolutamente nenhuma ponta de nostalgia - pelo contrário, tudo ali é novo, com uso do Universo Expandido e novas sugestões de mitologia.

E é aí que entra o grande problema - assim como foi com Invasão Secreta na Marvel ou mesmo Wandavision, que mudou coisas no MCU. Sem a qualidade de produção que merece um conteúdo de Star Wars, The Acolyte fica vulnerável a todo tipo de crítica. E em boa parte das vezes, com total razão, pois se tem alguém que pode reclamar é o cliente. Por outro lado (ele sempre existe, o outro lado), Star Wars já teve inúmeros produtos ruins, mas quando algum deles é protagonizado por uma minoria é que vemos como o problema da franquia não está só em seus criadores. Obi Wan e Boba Fett têm qualidade tão duvidosa quanto a série de Leslie Headland, mas nenhuma delas ganhou apelidos preconceituosos ou sofreram review bomb em agregadores. Muito menos tiveram fake news espalhadas pela internet dizendo que a “a criadora fez a série para homens brancos chorarem”. E o motivo disso é bem óbvio. Moses Ingram, atriz que fez Reva, sofreu ataques racistas logo após a exibição de dois episódios de Obi-Wan e a Lucasfilm e Ewan McGregor tiveram que intervir e se posicionar na época

Apesar de todos os problemas de The Acolyte, ela não é ruim por ter uma garota protagonista, bruxas lésbicas ou mulheres mais fortes que homens. Ela é isso pois não entrega a qualidade proposta para uma franquia do tamanho de Star Wars - até aqui, diga-se de passagem, pois apenas 4 episódios foram exibidos. Acontece que, na internet, tudo se julga antes, às vezes sem contexto e até sem saber o que aconteceu. Mas enquanto isso, teorias na internet destroem a série como se ela tivesse alterado a origem de Anakin Skywalker e dado ‘poder às mulheres’, ao invés do Escolhido - como se a Disney fosse mesmo diminuir o valor do maior personagem de Star Wars. A Disney americana, de capital aberto e que visa o lucro. Este é um devaneio tão grande quanto daquelas pessoas que viram Episódio I, odiou Jar Jar Binks e disse que nunca mais gostariam de ver Star Wars - e hoje provavelmente grita enlouquecido com as cenas de Ameaça Fantasma.

É um fato que Star Wars está passando por um momento difícil, de renovação e entendimento do que significa ser relevante para uma nova geração, sem perder seus fãs mais velhos. Dave Filoni, atualmente diretor criativo na Lucasfilm e querido pela maioria da comunidade (apesar de curiosamente, junto com George Lucas, ter mudado uma tonelada de coisas estabelecidas na trilogia original, mas que nunca foi perseguido na internet ou ameaçado de morte como algumas atrizes e diretoras), terá seus primeiros projetos de liderança lançados só depois de Skeleton Crew, o teórico último produto da era Pandemia. Até lá, parece que a entressafra deste universo vai continuar, assim como a reclamação constante, com ou sem razão, que acompanhamos nos fóruns e redes sociais da vida.

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