Lily Gladstone e Kelly Marie Tran em Banquete de Casamento (Reprodução)

Créditos da imagem: Lily Gladstone e Kelly Marie Tran em Banquete de Casamento (Reprodução)

Filmes

Crítica

Elenco brilhante tenta superar texto trivial no novo Banquete de Casamento

Remake do clássico de Ang Lee emociona com base em atuações autênticas

Omelete
5 min de leitura
29.01.2025, às 07H02.

Alguns anos atrás, Andrew Ahn decidiu transformar o clássico Orgulho & Preconceito, de Jane Austen, em uma comédia gay para a geração dos aplicativos de pegação - e o resultado, Fire Island, se mostrou um deleite não só por seu bom humor irrepreensível, como também por seu texto afiado sobre as expectativas e as realidades do romance contemporâneo, e sua entrega total à missão de dar ao público representação LGBTQIAPN+ não só responsável, como também de qualidade dramática. Pois bem: o novo filme do cineasta, Banquete de Casamento, segue mais ou menos a mesma deixa… e, apesar da missão valorosa, parece infinitamente menos inspirado quando se trata de dar aos seus personagens, eminentemente bem construídos, algo interessante para fazer.

Até o procedimento criativo do longa, na verdade, se assemelha ao seu predecessor - a não ser pelo fato de que a fonte da adaptação de Ahn, nesse caso, é muito mais recente: o primeiro Banquete de Casamento, do venerável diretor taiwanês Ang Lee (As Aventuras de Pi), é de 1993, concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (como ainda era chamado na época) e se tornou um marco do cinema asiático. Ahn até chamou o corroteirista daquele projeto, James Schamus, para ajudá-lo a transportar a história de Taiwan para os EUA, e realizar algumas outras mudanças pontuais que tornam uma história que já era bastante queer em um conto de diversidade e famílias encontradas mais apropriado para os nossos tempos fragmentados.

Aqui, Kelly Marie Tran e Lily Gladstone interpretam um casal lésbico que está tentando ter filhos por fertilização in vitro - mas o dinheiro está nas últimas. Na garagem das duas mora o casal gay formado por Bowen Yang e Han Gi-chan - mas também há problemas no paraíso: o personagem de Han, herdeiro de uma grande corporação sul-coreana, ainda está no armário para sua família muito tradicional (incluindo a avó, interpretada por Youn Yuh-jung), e seu visto estudantil está prestes a expirar. Ele gostaria de se casar com o namorado, é claro, mas isso implicaria em ser deserdado, o que leva à formação de um trato entre os casais: Han e Tran se casarão para que ele consiga um visto permanente, e em troca ele dará dinheiro para o casal de amigas continuar o tratamento in vitro.

O plano é equivocado, e isso só se torna mais transparente quando a avó do rapaz vem visitar da Coreia para checar se está tudo nos conformes. O que Ahn e Schamus fazem a partir dessa premissa é construir uma comédia dramática (com ênfase no dramática) sobre relacionamentos fraturados por imaturidade e insegurança, por sentimentos não ditos e receios não explorados. A ideia aqui é construir um leque de personagens incapazes de verem a si mesmos com qualquer clareza, e que precisam uns dos outros para adquirir essa mesma clareza. “Nenhum de nós é bom o bastante sozinho”, diz a descolada prima lésbica de um dos protagonistas em certo ponto do filme - e essa parece ser a mensagem predominante do texto.

Acontece que Ahn é muito mais eloquente quando se compromete com a comédia do que com o drama. Nesta história de grandes revelações emocionais, monólogos sobre aceitação e cenas quietas que desenvolvem a relação entre os personagens, ele patina na direção do convencional - ou, ainda pior do que isso, na direção de um convencional que nem se digna a abraçar algo de folhetinesco, com medo de perder o prestígio que pode angariar da crítica e da academia. Banquete de Casamento é um drama doméstico perfeitamente polido, que apara todas as suas arestas técnicas (fotografia, trilha sonora, edição, design de produção) na direção do seguro. E, ainda assim…

Se há uma coisa que Ahn tem provado fazer invariavelmente bem, é escalar e trabalhar com seus elencos. Neste novo filme, cada cena parece ser elevada por um intérprete diferente - e chega a ser desnecessário dizer que Youn Yuh-jung, veterana atriz sul-coreana que venceu o Oscar por Minari, faz isso como ninguém. Banquete de Casamento, para o seu crédito, sabe da sorte que tem de tê-la diante da câmera, e muitas vezes Ahn escolhe acompanhar as reações da atriz à cena que se desenrola entre os casais principais ao invés de filmá-los diretamente. É um truque barato, mas inegavelmente eficiente, e o filme ainda acha tempo para dar aos seus outros intérpretes momentos de brilho.

Gladstone se aproxima desse projeto com a naturalidade e a quieta dignidade que tem marcado suas aparições na tela grande desde a indicação ao Oscar por Assassinos da Lua das Flores - e essa é uma estabilidade da qual o filme precisa, na verdade, porque Tran e Yang abraçam com muito mais entusiasmo a disfunção de seus personagens. A atriz de Star Wars e Sweet Tooth, especialmente, se torna o centro nervoso do filme (e nervoso é a palavra certa, para o bem e para o mal). Já Han, que vem da cena dos k-dramas LGBTQIAPN+ da Coreia do Sul, traz para Banquete a fluência fácil entre comédia e drama que caracteriza as produções do país. Com Youn e Joan Chen (também ótima como a mãe ultra-apoiadora da personagem de Tran), esses atores formam um centro dramático crível, e uma família ainda mais.

É essa credibilidade que permite que o longa de Ahn encontre alguma ressonância emocional, alguma conexão genuína com seus temas - e com seu público. A sorte dele, enfim, é ter bons atores e nenhuma vergonha de usá-los. Não fosse isso, o seu Banquete de Casamento teria caído em uma insipidez absoluta, que é tudo o que não precisamos no cinema queer da atualidade.

Nota do Crítico
Bom
Banquete de Casamento
The Wedding Banquet
Banquete de Casamento
The Wedding Banquet

Ano: 2025

País: EUA

Duração: 102 min

Direção: Andrew Ahn

Roteiro: Andrew Ahn, James Schamus

Elenco: Han Gi-Chan, Bowen Yang, Lily Gladstone, Kelly Marie Tran, Joan Chen, Youn Yuh-jung

Onde assistir:
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