Pois é, eles (todos) estão de volta. Robert Downey Jr. vai interpretar o Doutor Destino nos dois próximos filmes dos Vingadores, que devem sair em 2026 e 2027 - e os irmãos Anthony e Joe Russo, que o dirigiram nos dois últimos filmes dos Vingadores, também estão de volta para assinar os longas. Tudo isso você já viu aqui no Omelete durante o painel do Marvel Studios na San Diego Comic-Con 2024, e acreditem quando dizemos que ficamos tão chocados quanto vocês com as revelações bombásticas de Kevin Feige e cia. Como sempre, o painel do MCU faz o jornalista de cultura pop descobrir se consegue trabalhar com o coração pulando pela boca.
Mas é com a poeira baixada que dá para realmente pensar nos anúncios feitos pelo estúdio, e entender o que eles significam para o andar da franquia mais emblemática da cultura pop do século XXI. E sim, é claro que é empolgante pensar em Downey Jr. (vencedor do Oscar, inclusive!) enterrando suas garras em um personagem vilanesco de proporções megalomaníacas, e na Marvel finalmente colocando na tela algumas de suas tramas e personagens mais ambiciosos. Criativamente, não parece uma má ideia.
Já os Russo, para o bem e para o mal, são cineastas metódicos e eficientes que se prestam a organizar e entregar trabalhos difíceis sem cair nos delírios de grandeza artísticos que atrapalhariam o andar de uma máquina multibilionária como o MCU. No caminho se sacrifica a personalidade de seus filmes, talvez, mas personalidade nunca foi lá o forte do MCU, né? É por isso que os irmãos se deram tão bem em Guerra Infinita e Ultimato: por entenderem que, ali, não estavam realmente fazendo filmes - estavam tentando evitar que um gigante comercial entrasse em colapso ao se olhar no espelho e se deparar com o próprio tamanho.
E a partir de tudo isso, quer saber? Talvez Doomsday e Guerras Secretas saiam exatamente à encomenda, e resgatem algo da galvanização pop que os Russo conseguiram amealhar nos seus filmes anteriores. Mas não dá para deixar de lado, também, que essa reconvocação do “time-A” da década passada do MCU cheira a desespero, a um Kevin Feige e uma Disney que entenderam, após uma série de fracassos, que precisavam de uma correção de curso - mas só conseguiram pensar em uma coisa para fazer diante dessa consciência: engatar a marcha ré.
Muito se diz da nostalgia como motor da cultura pop contemporânea, da falência criativa que se reflete nos estúdios apostando somente em franquias já conhecidas, inventando novas maneiras de evocar o passado para tentar construir o futuro. É o que criou a legacy sequel, que aposta na glória de personagens e atores representativos de um “tempo dourado” intangível no qual os fãs se empolgavam por uma franquia ou outra de uma forma que não se empolgam mais. Diante da impossibilidade de mobilizar o público por algo novo, dê a eles… exatamente aquilo que eles amaram da última vez.
O MCU, enfim, sabe que o seu presente não empolga - as sessões de Capitão América: Admirável Mundo Novo e Thunderbolts* no painel, os dois filmes que de fato continuam a narrativa já estabelecida da franquia, foram mornas no máximo. Sabe também que a única aposta comercialmente acertada dos últimos anos foi Deadpool & Wolverine, que estreou quebrando recordes de bilheteria com uma trama que se apóia quase inteiramente na ideia já nostálgica de Hugh Jackman reprisando seu papel mutante, e em uma miríade de outros ex ou quase-heróis do passado pré-MCU voltando às telas para uma “última aventura” (ou seja, é também basicamente uma legacy sequel).
2+2 só podem ser 4, deve ter pensado Kevin Feige. Ele precisa tomar cuidado, no entanto: relembrar e celebrar um legado de ouro pode parecer uma fórmula certa de bilheteria, mas não é bem assim. Com o tempo, esse cinema-volta-olímpica cansa, o rockstar que só vive dos hits do passado perde a aura de ídolo e vira uma curiosidade patética, uma nota de rodapé, uma atração de nicho. O que o Marvel Studios fez nesse passado que tanto celebra foi justamente tirar a nerdice do nicho, e fez isso contando histórias, criando, inovando. Importante lembrar que o legado do MCU foi construído por estreias, e não por retornos - houve um tempo em que o Hall H regido por Feige gritava por um novo ator em um novo papel, lembra?
E é claro que gritava: o novo é o combustível do fazer cinema, do fazer cultura pop, o que faz esse mundinho tão excitante e vital e interessante, o que leva tanta gente a se dedicar tanto a ele. Ninguém está realmente aqui pelo que passou, mas sim para descobrir o que vem a seguir - como o próprio Feige disse, ironicamente, no início do painel do Marvel Studios: é muito mais legal olhar para frente do que para trás. Enquanto não se lembrar disso, o MCU vai continuar seguindo adiante aos trancos e barrancos, como um carro que não é abastecido há anos, sobrevivendo da fumaça da gasolina que colocou no tanque em 2019. Uma hora, esse calhambeque vai parar.