Jennife rLopez em O Beijo da Mulher Aranha (Reprodução)

Créditos da imagem: Jennife rLopez em O Beijo da Mulher Aranha (Reprodução)

Filmes

Crítica

O Beijo da Mulher Aranha faz jus a história importante - e ainda dá espetáculo

Filme de Bill Condon mostra que o show não tem razão de existir sem a luta, e vice versa

Omelete
4 min de leitura
27.01.2025, às 20H23.
Atualizada em 27.01.2025, ÀS 20H43

O Beijo da Mulher Aranha sempre foi um tipo curioso de história de ditadura. Como concebida pelo novelista Manuel Puig, em meados dos anos 1970, ela dobrava como denúncia do regime militar argentino da época, tratado subversivo sobre sexualidade e gênero, e ode aos poderes escapistas de Hollywood. Preso por conta de sua homossexualidade, Molina conta para o companheiro de cela, o ativista anti-ditadura Valentín, as histórias dos filmes hollywoodianos glamurosos que ele assistiu durante a juventude. Esses “filmes-dentro-do-livro” estimulam o embate de pontos de vista entre os dois personagens, refletem a evolução da relação entre eles, mas também os ajudam a suportar os abusos e torturas dos guardas da prisão.

Em 1985, o diretor Hector Babenco, um argentino naturalizado brasileiro, transformou o livro de Puig em filme coproduzido entre Brasil e EUA, com Sônia Braga no papel da diva que protagoniza o filmes contados por Molina, e um leque amplo de outros grandes atores brasileiros, como José Lewgoy, Milton Gonçalves e Fernando Torres, fazendo coadjuvância para os hollywoodianos Raul Julia e William Hurt. Com muito rigor formal, Babenco transportou a história para a ditadura militar brasileira e colocou Braga para interpretar uma rainha gelada da tela grande, inspirada em Marlene Dietrich e Greta Garbo - com um toque latino, é claro.

Já naquele filme, que acabou sendo indicado a 4 Oscar, a separação entre o espetáculo dos filmes “contados” pelo personagem e a realidade difícil dos protagonistas ia se tornando mais tênue conforme os eventos na prisão se acumulavam… era quase como se Babenco e seu roteirista, Leonard Schrader, chegassem aos poucos em um entendimento de como a fantasia assistia e espelhava a realidade. Pois bem: no novo O Beijo da Mulher Aranha, que estreou ontem (26) no Festival de Sundance 2025, essa linha é cruzada quase de instantâneo - de fato, é como se ela nunca tivesse existido.

Parte disso é necessidade trazida pela inspiração direta do filme, que não é a obra de Babenco, e sim o musical da Broadway que estreou em 1995, assinado por Terrence McNally, John Kander e Fred Ebb. A ideia de transformar os filmes de Molina em musicais hollywoodianos como aqueles produzidos pela MGM nos anos 1940 (vide Melodia da Broadway, Sete Noivas, Bonita e Valente) veio de lá, e o diretor Bill Condon, ele mesmo um apaixonado por musicais com experiência em adaptações como Chicago e Dreamgirls, cumpre o mandato à risca. Em suas sequências de fantasia, o novo O Beijo da Mulher Aranha é suntuoso e vívido (em glorioso Technicolor!), dramaticamente rígido - mas imparável no melodrama da música e do movimento.

Nesse contexto, escalar Jennifer Lopez como a estrela dos filmes de Molina é tão inspirado quanto foi escalar Braga lá em 1985. Se a brasileira posava como Garbo e Dietrich, Lopez se move como Rita Hayworth e Dolores Del Río, abusando também do simulacro de dignidade que elas eram obrigadas a levantar a fim de justificar os papéis estereotipados que Hollywood lhes reservava. Como as de suas precursoras, a performance de J.Lo não é um grande feito dramático, mas encontra no espetáculo da dança (talvez o único talento que nunca pode ser contestado no arcabouço da estrela), da moda e da feminilidade uma forma de ser adorada - um prêmio de consolação digno para as divas que nunca poderão ser entendidas.

Condon também é esperto, no entanto, ao filmar a outra metade de Mulher Aranha, aquela ambientada na prisão, com a necessária gravidade… mas sem um rigor inflexível que faria os pulos de fantasia da trama parecerem fora do lugar. O mundo em cores terrenas de Molina e Agustín, desta vez interpretados por Tonatiuh (em performance delicada e triunfante) e Diego Luna, ainda deixa uma abertura para o drama, para o sonho, para o delírio dos números musicais que “vazam” de um universo para o outro do longa - e, essencialmente, para a filosofia de ideais elevados que une o espetáculo romântico de Hollywood e a teoria política de libertação do jugo autoritário. Para aquilo que une os dois protagonistas, no fim das contas: o amor.

A vida é boa, e sua bondade está no amor, comenta Molina em certo momento de O Beijo da Mulher Aranha. O amor que nasce entre os dois na cela da prisão, nos diz o filme, é o mesmo amor que dita a necessidade da revolução, a sede por liberdade - liberdade que queremos usar para quê, mesmo? Ora, para amar mais e melhor. É nessas e noutras que Hollywood e seus romances de “felizes para sempre” podem ser úteis, e podem se provar mais genuínos do que imaginamos: seja no sacrifício ou no triunfo, eles garantem que continuemos a acreditar em um amor, no mínimo, possível. E isso já é motivo o bastante para continuar lutando por ele.

Nota do Crítico
Ótimo
O Beijo da Mulher Aranha
Kiss of the Spider Woman
O Beijo da Mulher Aranha
Kiss of the Spider Woman

Ano: 2025

País: EUA

Duração: 128 min

Direção: Bill Condon

Roteiro: Bill Condon

Elenco: Diego Luna, Tonatiuh, Jennifer Lopez

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