Ayo Edebiri em Opus (Reprodução)

Créditos da imagem: Ayo Edebiri em Opus (Reprodução)

Filmes

Crítica

Opus é melhor, mais inteligente e mais divertido que a concorrência

Filme é respiro bem-vindo em meio ao desgaste dos thrillers de alto conceito

Omelete
5 min de leitura
28.01.2025, às 19H16.

A culpa é toda de Jordan Peele. Marco cultural, fenômeno de bilheteria e queridinho do Oscar, Corra! (2017) deu à luz, quase sozinho, um subgênero muito específico de filme hollywoodiano: o thriller de alto conceito, em que uma premissa instigante (rapaz negro vai visitar os sogros brancos! chef renomado convida críticos esnobes para jantar especial!) nos conduz a um mundo de segredos sombrios, e a graça é desenrolar esse mistério enquanto se decifra, também, o que o filme quer dizer sobre a nossa sociedade. Na esteira de Corra!, Hollywood fez A Caçada (2020), O Menu (2022), Fresh (2022), Pisque Duas Vezes (2024), Acompanhante Perfeita (2024)... e, agora, Opus.

É interessante fazer a contextualização do longa de estreia de Mark Anthony Green dentro dessa tendência hollywoodiana, justamente porque ele chega em um momento no qual a estrutura narrativa desses filmes já está começando a parecer manjada para o público, que os assiste com os olhos cínicos de quem já foi enganado vezes demais - e a esperança resiliente de que, dessa vez, a revelação final vai ser satisfatória o bastante para ter valido o ingresso. E a forma como os “filhos de Corra!” fazem comentário social também está em desgaste, é claro: nem todo mundo é Jordan Peele, o que significa que nem todo mundo tem algo realmente original e oportuno a dizer, nem uma forma realmente original e oportuna de dizê-lo.

Nos últimos sete anos, enfim, o público desses thrillers contemporâneos virou gato escaldado - e gato escaldado, como diz o ditado, tem medo de caça-níquel hollywoodiano. A boa notícia é que, dentro desse arco de decadência do subgênero, Opus é um respiro muito bem vindo de inteligência narrativa. O diretor e roteirista Green, que antes de apostar no cinema passou anos como jornalista, mais destacadamente como editor de estilo na GQ estadunidense, parece ter feito o que todo bom fashionista faria: mergulhar na tendência para servir seus próprios objetivos, e passar sua própria mensagem. E ele traz para o filme o olho clínico de quem testemunhou aquilo de que está falando em primeira mão, de dentro para fora, e quer nos mostrar uma podridão que normalmente passa escondida dos nossos olhos.

Em Opus, Ariel Ecton (Ayo Edebiri) é uma jovem repórter para uma revista de estilo e arte, vivendo à sombra do seu editor ególatra, Stan (Murray Bartlett), e alimentando ambições de adquirir capital profissional o bastante para escrever seus próprios livros. Acontece que ela também se torna uma das pouquíssimas jornalistas convidadas pelo lendário popstar Moretti (John Malkovich), que está desaparecido dos holofotes há quase 30 anos, para um evento especial em sua gigantesca propriedade, afastada de todos os centros urbanos, a fim de ouvir o seu primeiro novo álbum em décadas. Chegando lá, é claro, “nem tudo é o que parece” - um dos golpes mais espertos de Opus, no entanto, é fazer de Ariel a única a perceber as entrelinhas sinistras dos procedimentos.

O roteiro de Green retrata isso como um conflito de gerações, de certa forma. De longe a mais jovem dos convidados de Moretti, a protagonista se vê cercada por repórteres da “velha guarda” que não só aceitam as condições cada vez mais suspeitas e abusivas do tal evento (privação de celulares, vigilância 24h… depilação obrigatória?), como parecem nutrir por essa excentricidade uma espécie de nostalgia. “Nós sentimos falta disso”, diz Stan, com todas as letras, no primeiro jantar do grupo ao lado do popstar - ele fala de um senso de comunidade entre a imprensa e o artista, e da palpabilidade daquele evento em comparação com a digitalização crescente que se vê no ramo, é claro, mas também de um mundo onde o artista ditava os termos, sem nenhum tipo de responsabilização ética, e o público só ia na onda.

Ariel não está ok com esse mundo. A ambição que ela nutre revela um vício diferente, de uma geração diferente: aquela que quer se tornar de alguma forma o centro das histórias, ao invés de autora delas. Como ela mesma diz, escrever sobre famosos (pessoas “inerentemente fascinantes) é um atalho para que o público considere ela fascinante também. Opus planta a sementre desse conflito de atitudes - a geração que aceita sua coadjuvância com anuência excessiva, e a geração que clama pelo protagonismo com sede que ultrapassa qualquer cautela - e deixa que ela cresça dentro da narrativa, para colher os frutos no seus excelentes 10 minutos finais. Até chegar lá, no entanto, ele se diverte à beça.

Essa, no fim das contas, é a outra - e, talvez, mais importante - vantagem que Opus tem sobre seus companheiros de subgênero. Nas mãos de Green, este é um longa que deita e rola nas tendências dramáticas fascinantes do mundo que retrata, seja com a performance de (um lindamente escalado) John Malkovich como o astro do pop mais antiteticamente fascinante e repugnante de todos os tempos; com um figurino (assinado por Shirley Kurata) e maquiagem que acertam em cheio no luxo frágil dos paetês, tecidos satinados e perucas apertadas; com uma fotografia (de Tommy Maddox-Upshaw) que encontra o equilíbrio certo entre a evocação do macabro e a comédia da observação.

Opus, enfim, não tem nenhum problema em admitir as delícias decadentes da celebridade, e de ser indulgente nelas, ao mesmo tempo que nos avisa para suspeitar um pouco mais dela. É ao comportar essa complexidade, e confiar que consigamos comportá-la também, que o filme forma um pacto com o espectador que o permite superar o desgaste de uma estrutura (quase) sufocada por Hollywood.

Nota do Crítico
Ótimo
Opus
Opus

Ano: 2025

País: EUA

Duração: 103 min

Direção: Mark Anthony Green

Roteiro: Mark Anthony Green

Elenco: John Malkovich, Ayo Edebiri, Juliette Lewis, Murray Bartlett

Onde assistir:
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