Tudo está morrendo ao redor de Ali (Ekin Koç), o protagonista do suspense The Things You Kill. Professor de linguística numa universidade na Turquia, ele vê diversas portas fechando de uma vez só: seu casamento com Hazar (Hazar Ergüçlü) está à beira de uma grande crise, o jardim que ele cultiva nas montanhas está virando um deserto e, o pior de tudo, sua mãe idosa acaba de falecer.
Febril e imprevisível, o suspense de Alireza Khatami – aclamado no Festival de Sundance – está interessado em diferentes tipos de mortes. A morte, o filme supõe, pode ser o fim de algo, mas também uma troca. É uma relação que o próprio Ali faz em classe ao estudar a etimologia da palavra “tradução” em turco e encontrar na raíz arábe da mesma o termo “matar”, assim entendendo que a substituição de uma coisa pela outra pode estar diretamente relacionado ao seu encerramento. A morte abre espaço para algo novo. É uma tese explorada pelo filme, digno do adjetivo “lynchiano”, de maneiras literais e surreais.
Na classe, e em casa, Ali parece um homem normal. Ele se esforça no jardim, demanda bom comportamento nas aulas e cuida bem da mãe, uma mulher idosa que foi maltratada a vida toda pelo marido, Hamit (Ercan Kesal). Ali e o pai trocam farpas constantemente, e quando ele começa a suspeitar que a morte da mãe não foi um acidente, algo dentro de Ali começa a morrer. Sua decência dá lugar à ira.
A mudança vem no pior momento. Hazar está cada vez mais triste com a incapacidade do casal de conceber, e Ali esconde dela a verdade sobre sua fertilidade. Em paralelo, o reitor da universidade avisa que a classe provavelmente não continuará no semestre seguinte. Tudo está dando errado, com uma exceção. Das montanhas da Turquia, surge a misteriosa figura de um jardineiro chamado Reza (Erkan Kolçak Köstendil), que rapidamente desenvolve uma amizade com Ali e passa a trabalhar em seu jardim. Reza entra no filme como uma aparição, como se tivesse brotado da Terra ou sido concebido pelo vento. Um espírito de bagunça.
Se ele é mesmo um espírito ou não é uma das perguntas levantadas pelo ótimo controle de tom de Khatami. The Things You Kill não coloca nada explicitamente sobrenatural em tela, mas está claro que algo paira sobre esses personagens – uma atmosfera de incerteza e desequilíbrio. Esta borbulha até Ali e Reza cometerem um ato de vingança do qual o protagonista rapidamente se arrepende, e então algo inexplicável acontece.
Sem que ninguém questione nada, Reza assume o lugar de Ali. As cenas na faculdade, no apartamento com Hazar e com as irmãs que estão preocupadas com o paradeiro do pai agora são encenadas por Köstendil, que confere uma qualidade mais irritada ao filme. Seu “Ali” é mais impaciente, explosivo e cruel. Os atores são perfeitos como dois lados da mesma moeda – cada um interpretando o mesmo papel com temperos ligeiramente diferentes. Graças à forma como The Things You Kill equilibra sua narrativa, essas distinções, por menores que sejam, são gritantes. Seria essa a forma de The Things You Kill de comunicar que Ali mudou? O homem bonzinho morreu e uma nova personalidade tomou conta? Ou há algo mais espiritual acontecendo?
Felizmente, o roteiro de Khatami não oferece respostas. Ele entende o valor da ambiguidade, do espaço vazio. O filme deixa essa vibe escorrer pelas margens da tela até ficarmos inseguros e em estado de alerta para, no processo, falar sobre a natureza fluida das coisas deste mundo. As circunstâncias, The Things You Kill parece sugerir, afetam nosso comportamento e identidade. Vamos do zen ao animal.
The Things You Kill caminha para uma conclusão digna dessas ideias – uma que sublinha o vai-e-vem de viver sem saber o que nos aguarda no dia seguinte. É uma existência tão cheia de potencial quanto de ansiedade.
Ano: 2025
País: Turquia
Duração: 1h53 min
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